terça-feira, 12 de junho de 2012

A poesia marginal de Teobaldo Jardins

Embalado pra viagem # 62

por Hudson Jorge | ilustração Reginaldo Farias


O jovem Teobaldo Jardins, pode-se dizer, viveu uma fase poético-boêmia de causar inveja a vários sambistas cariocas do século passado. Ávido leitor que era, rapidamente degustava as melhores leituras (de filosofia ao romance, de poesias às revistas científicas populares), além de consumir com ligeireza impressionante os filmes disponíveis na locadora de Manel.

Com tanta bagagem intelectual, orgulhava-se por poder entrar em qualquer roda de conversa e emitir nem que fosse uma opinião bem simples.

Nas mesas de bar, Teobaldo muitas vezes acabava sendo o centro das atenções, ao replicar trechos clássicos da literatura. Impressionava facilmente não só as menininhas, calouras universitárias, mas também aquelas mulheres mais experientes e rebuscadas. Ah sim!, Teobaldo era quase um Dom Juan de Marco e com essa característica arrebatou diversos corações.

Mas quando se falava em produção literária própria, Teobaldo era um marginal!

Sua poesia escorria lamacenta pelos esgotos a céu aberto da cidade e os vermes vorazes de sua caneta corroíam a mais crua carne dos defuntos recentemente sepultados. Mesmo assim, suas obras compunham, a convite, as coletâneas lançadas no meio literário de sua terra. Ele mesmo brincava confiante: “Sou romântico, mas não consigo escrever poesia romântica. Meu negócio é navalha na carne e dedo na ferida”.

Numa sexta-feira de muita boemia, vários goles de vinho e poemas recitados, Teobaldo reparou pela primeira vez numa linda ninfeta, até então por ele desconhecida, que tomava parte naquele círculo poético.

De imediato investigou e soube que era uma jovem mulher que acabara de tomar a decisão de contrariar os pais e frequentar os ambientes cults e alternativos da região. Queria ela, num ato de rebeldia, abandonar aquela faculdade particular de Fisioterapia e cursar Artes Visuais na URCA.

Teobaldo não contou outra. Mediu seu estado etílico, viu que podia caminhar, levantou-se e foi em direção a ela. Dois dedos de prosa e muito vinho na cabeça e num momento de equivocada empolgação, Teobaldo disparou uma inverdade: “fiz uma poesia pra você!”.

"Cadê?", perguntou naquela curiosidade contida, porém juvenil.

“Está em casa. Entregar-lhe-ei amanhã”, disse com aquela convicção que um advogado usa pra defender um réu confesso acusado de homicídio.

Amaram-se naquela noite, e na outra e na outra, assim como também se amaram no outro final de semana. Todos os dias ela perguntava pela suposta poesia, ao ponto de não mais crer na existência dela.

“Está bem!”, disse Teobaldo, “de amanhã não passa! Mando-a por email, está bem?”

Naquela segunda-feira preguiçosa e desencorajada pela ressaca, Teobaldo espremia-se em busca de escrever a tal da poesia, mas nada saía além de uivos sociais aterrorizantes. Era inútil, não conseguia falar de amor.

Fez a derradeira tentativa. Como quem verte suor em sangue, Teobaldo desencanou as seguintes linhas, que mandou por e-mail.

(...) Menina... Não queime mais hospitais
Não atropele mais velhinhos
Não deponha mais governos
Não exploda mais países
Não sorria mais assim...

Naquele dia não se falaram e Teobaldo aguardou a resposta em vão, até o dia seguinte. Tentou algumas ligações telefônicas sem sucesso e SMS’s sem retorno.

A jovem e bela ninfeta sumiu dos círculos poéticos, das mesas de bar, dos ambientes alternativos e cults da cidade. Ninguém tinha notícias e Teobaldo sofreu sua ausência por mais de quinze dias.

Passados seis meses, eis que Teobaldo a reencontra numa rede social bem famosa. No seu perfil público, a constatação inevitável: ela desistiu de cursar Artes Visuais, passou no vestibular para Medicina e namorava agora um mega empresário do ramo de vaquejada.

(inspirado em poema de Ricardo Campos)

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