segunda-feira, 30 de julho de 2012

Entrevista com Geddy Lee, do Rush, para a Revista Bizz no ano 2000

Do papel # 11

Ontem, dia 29 de julho de 2012, o baixista e vocalista do trio canadense Rush, Geddy Lee, completou 59 anos de vida. Para não passarmos em branco com a data (e já pagando com atraso) resolvemos tirar da estante uma entrevista que Geddy Lee concedeu à Revista Bizz na época do lançamento do seu disco solo My Favorite Headache. O baixista falava da expectativa de um dia tocar no Brasil com o Rush, coisa que acabou se realizando dois anos depois, em 2002. E a banda ainda retornaria aos palcos brasileiros em 2010.

A entrevista foi publicada na Bizz 185, de dezembro de 2000. Confira!
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Enquanto o Rush não vem
Geddy Lee, a alma do trio canadense mais famoso do mundo, estreia em carreira-solo e promete que, um dia, ainda tocará no Brasil

Quando toca o telefone, a voz de Pato Donald do outro lado não deixa dúvidas: é Geddy Lee, a "bruxa véia", vocalista, multiinstrumentista e alma do trio canadense Rush. Descontraído, bem-humorado, nos 40 minutos seguintes ele não só anteciparia seu aguardado disco-solo, My Favorite Headache, como repassaria a vitoriosa trajetória de sua banda — 23 álbuns e 25 milhões de cópias vendidas.

Pretensiosa e glacial para uns, apenas rock com tutano para legiões de seguidores, a verdade é que a pomposa fórmula do Rush (hard rock + letras viajantes + rock progressivo + virtuosismo instrumental) já contabiliza quase três décadas driblando punk rock, new wave, thrash metal, grunge e outras correntes que surgiram e sumiram. Atualmente, seus ecos reverberam em várias subderivações do chamado metal progressivo-melódico.

Em 1997, logo após a turnê de Test for Echo (o último trabalho de estúdio, que gerou o CD ao vivo Different Stages), o trio experimentou um ano trágico: em poucos meses, o baterista e letrista Neil Peart perdeu a mulher para o câncer e a filha num acidente de carro. Com o recesso, o guitarrista Alex Lifeson enveredou por trilhas sonoras e se entregou a jams com bandas de bar de Toronto, onde mora. Lee convocou um velho amigo, o guitarrista Bem Mink, uma espécie de local hero canadense ("Na adolescência, tocando em bares, ele lembrava Jeff Beck", exagera), e com ele teceu seu primeiro voo-solo, o segundo de um membro do Rush (Lifeson puxou a fila em 1996 com o estranho Victor).

Espirituosamente intitulada My Favorite Headache (Minha Dor de Cabeça Predileta), a bolacha chegou às prateleiras em novembro. Lee não faz feio: power pop, lirismo e guitarras, muitas guitarras, saciarão a sede dos fãs até a próxima investida da banda, programada para 2001. No final do bate-bola, o músico profetizou: “ainda iremos ao Brasil” um dia.

BIZZ - O Rush tem milhares de fãs no Brasil e é das poucas bandas consideradas grandes que nunca tocou aqui. Por quê?
GEDDY LEE -
Primeiro quero pedir desculpas aos nossos fãs brasileiros por nunca termos nos apresentado aí. A verdade é que, quanto mais cresce a demanda, mais fica difícil tocar onde queremos. Nossa última turnê foi há três anos e já vínhamos num crescendo de lugares para nos apresentar. Só estivemos no Japão uma única vez, e faz um tempão que não vamos à Europa. Mas ainda iremos ao Brasil.

Seu vocal é tão marcante que a primeira impressão sobre My Favorite Headache é que se trata de um disco do Rush. Está preparado para comparações?
Quando você é cantor de uma banda por 25 anos, torna-se "a voz" do grupo. Isso não me incomoda, sabia que seria inevitável. Tenho orgulho do papel do Rush — foi minha escola, onde aprendi tudo. Cresci nessa banda e é claro que isso afeta meu jeito de escrever e fazer música.

Por que um título tão engraçado?
Porque eu sou engraçado (risos)! É um título flexível, único. Ouvi essa frase pela primeira vez do pai de um amigo, chamando sua esposa de "minha dor de cabeça predileta". Caí na risada e achei que era uma grande frase para descrever relacionamentos — por exemplo, o meu com a música é o que mais gosto, mas ele me deixa louco! Isso se aplica à vida em geral, àquela coisa que as pessoas não conseguem parar de fazer, mas que, por outro lado, as deixa malucas.

Por que você optou por estruturas musicais mais simples que as do Rush?
Esse foi um projeto muito estimulante para mim porque, com o Rush, a espinha dorsal rítmica do som é muito mais complicada. Mas, nesse caso, a complexidade ficou reduzida às melodias e às texturas. Para mim, foi uma mudança radical e uma agradável experiência, aprendi muito sobre experimentação com melodias.

My Favorite... está numa direção mais melódica, que muitos sempre quiseram que o Rush desenvolvesse um pouco mais.
Interessante ouvir isso. Para mim, foi apenas uma face natural que trabalhei musicalmente. Claro que o rock está presente, mas há muita melodia e passagens evocativas, porque eu estava me sentindo meio assim. Quanto a ter desenvolvido mais isso com o Rush, quando você está no estúdio com mais duas pessoas opinando, tudo é possível. Mas acho difícil comparar esse disco com o que o Rush faz.

O que faz da música do Rush ainda uma experiência única, após todos esse anos?
É uma combinação de fatores. Sempre gostamos de hard rock e de progressivo. É divertido combinar duas coisas diferentes em algo inusitado. Também há o fato de que muitos grupos que faziam um som parecido desapareceram, e nós não. E estar na estrada por tanto tempo com certeza nos deu identidade própria.

O que ainda falta para o Rush atingir musicalmente?
Quando nos juntamos para fazer música, sempre aparece algo diferente. Há sempre o ideal da música perfeita, da performance perfeita. Você sempre descobre uma maneira não necessariamente nova, mas interessante de se expressar.

Muitos criticam a banda por sua suposta pretensão, mas o elemento rock’n’roll nunca deixou de estar presente.
Concordo, não acho que temos algo em comum com o pop, por exemplo. Por outro lado, achamos divertido estruturar nossas músicas de uma maneira mais dramática. Não acho que isso seja uma atitude hermética ou elitista.

Cada um dos quatro álbuns ao vivo da banda encerra um ciclo. Qual o seu preferido?
Boa pergunta. Acho o A Show of Hands (1989) um grande disco e o comparo com Different Stages (1998). Gosto de colocar lado a lado o Rush de hoje com o do fim dos anos 70. Colocar os dois lado a lado é importante para mostrar de onde viemos e aonde chegamos. Há também uma certa energia bruta em All The World’s A Stage, que para meu gosto é um pouco bruta demais (risos). Mas ele é o que é, ao menos é um disco honesto.

Entre tantos seguidores, há alguém que o faça sentir-se orgulho em ter influenciado?
Primus, Soungarden e Pearl Jam são bandas de que gosto e que já manifestaram admiração pelo Rush. Sempre há gente chegando e dizendo: "olha, sou fã do Rush". Essa é a maior honra para um músico: saber que inspirou ou influenciou outros músicos.

Quando vocês voltam à ativa?
Só no ano que vem. A última vez em que trabalhamos juntos foi em 1997. A época ainda não está definida, mas espero que no fim de 2001 já tenhamos um disco pronto.

Você, Neil e Alex são amigos ou apenas colegas de profissão?
Acredite, esses caras são meus irmãos de alma. Claro que já tivemos divergências, nos anos 80 a imprensa chegou ao exagero de dizer que a banda ia acabar, mas, se superamos problemas, foi devido à amizade. Alex é um dos meus maiores amigos na face da Terra. Nos falamos direto e, ao menos de 15 em 15 dias, saímos juntos. Com Neil, ainda somos muito chegados, mas não o vejo frequentemente porque ele mora na Califórnia. Mas estamos sempre em contato, por carta ou e-mail.

Há algo que o estimule musicalmente no rock hoje em dia?
Björk, Radiohead, Foo Fighters... Há outros artistas interessantes, mas esses têm uma identidade mais própria.

O Rush é das raras bandas que nunca de meteu em grandes confusões. Ser canadense contribui para uma atitude positiva no circo do rock?
(Risos) Por quê? Você acha os canadenses normais demais?

Pelo menos os que conheci eram todos calmos e tranquilos.
Bem, nosso sucesso não foi da noite para o dia. E, à medida que fomos nos dando bem, nossa atitude nunca era em torno da fama, e sim do trabalho. Quando o sucesso surge de forma devagar, além de aproveitá-lo melhor, você consegue colocá-lo numa perspectiva positiva em sua vida. E temos sorte de vir de famílias estáveis, que nos ajudaram a manter a sanidade. Talvez isso seja parte da natureza tímida do canadense.

Sabia que no Brasil há uma banda chamada Engenheiros do Hawaii, um trio que auto-intitula o Rush local simplesmente porque, além da formação similar, lança um disco ao vivo a cada três de estúdio?
Verdade? Engraçado, nunca ouvi falar deles... De qualquer maneira, espero que tenham mais sorte em sua música do que tiveram ao escolher seu nome (risos).
Revista Bizz, dezembro de 2000.

"My favorite headache" (Geddy Lee / Ben Mink):

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