terça-feira, 7 de agosto de 2012

70 anos de Caetano Veloso

Grifo nosso # 38



"(...) Na noite da grande final [do III Festival da Música Popular Brasileira de 1967] o ar estava elétrico e os ânimos exaltados, as torcidas gritavam sem parar, aplaudiam seus favoritos e vaiavam os adversários, num clima de final de campeonato: pelo menos metade das doze finalistas tinha chances reais de ser a vencedora.

Quanto Caetano entrou no palco para cantar 'Alegria, alegria' com os Beat Boys, uma banda de rock — e de argentinos —, foi uma gritaria infernal. Traição! Adesão! Oportunismo!, gritavam nacionalistas exaltados: Caetano estava trocando a 'música brasileira' pela 'música jovem'. Mas ele não estava trocando, estava tentando integrar. Sua música era só uma marcha leve e alegre, com uma letra caleidoscópica e libertária. Os três acordes da introdução gritados pelas guitarras eram quase tudo que tinha de rock. Mas eram mais do que suficientes. Somente a presença cabeluda e elétrica dos rockers argentinos já seria para caracterizar a provocação. Quando ele começou a cantar, mais gente vaiava do que aplaudia, o que era injusto mas de certa forma animador para os concorrentes, como eu [Nelson Motta estava inscrito com a composição 'O cantador', parceria com Dori Caymmi interpretada por Elis Regina]. Eu jamais vaiaria um colega, mas no calor da competição não me incomodava muito que os outros vaiassem.

Longe das melhores de Caetano, a música era simples, tinha a sua graça, mas sua força era a letra e principalmente a atitude de Caetano, a potência e simpatia de sua performance, que foram aos poucos ganhando o público e transformando vaias em aplausos. Foi tão arrebatador esse ato de talento e de poder que comecei também a aplaudir entusiasticamente o concorrente, quase contra a minha vontade. Mas era irresistível. Caetano saiu do palco consagrado e a luta pelo 'Berimbau de ouro' ficava mais dura.

(...) Quando foi anunciado o prêmio de 'melhor intérprete' para Elis Regina, entendi que nossa música estava fora e fiz força para não chorar. Muita gente chorou quando foi anunciada a premiação: 'Alegria, alegria' foi quarto lugar, 'Roda-viva' [de Chico Buarque], terceiro, 'Domingo no parque' [de Gilberto Gil], segundo e 'Ponteio' [de Edu Lobo e Capinam], a grande vencedora do 'Berimbau de ouro' de 1967, aplaudidíssima. Se Edu tivesse feito a letra para a música de Dori, certamente não estaria ali. Perguntado por uma rádio sobre qual a sua preferida, Edu foi sincero e elegante: 'O cantador'.

Mas Gil e Caetano saíam do festival mais vitoriosos ainda. A música brasileira nunca mais seria a mesma depois daquela noite."

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Nelson Motta, no livro Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais (Editora Objetiva, 2001).

"Alegria, alegria" (1967):


Coluna de Nelson Motta no Jornal da Globo (03 de agosto de 2012):


Em nossa homenagem pelos 70 anos de Caetano Veloso, completados hoje, dia 7 de agosto de 2012.

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