terça-feira, 7 de agosto de 2012

Crítica do show 'Estrangeiro' de Caetano Veloso, na Revista Bizz de Set.1989

Do papel # 12



Hoje, no dia em que Caetano Veloso completa 70 anos de idade, seguimos com postagens em homenagem à sua carreira artística. Agora lançamos mão da crítica de um show realizado em 1989, à época do álbum Estrangeiro. O texto é assinado por Lorena Calabria e foi publicado na Revista Bizz 50, de setembro de 1989. Clique na imagem abaixo para ampliar a página da revista.
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Ao Vivo
Caetano Veloso - Canecão (RJ)

Descontando todos os clichês, sobra pouco para falar de Caetano Veloso. Elogios à parte, vamos ao que interessa: o espetáculo.

Na estreia de Estrangeiro no Canecão, repetiu-se o mesmo ritual de outras ocasiões semelhantes. Ingressos esgotados, empurra-empurra e gritinhos histéricos não faltaram. Nem aquele coro desafinado, e por vezes atravessado, através do qual os fãs mais extrovertidos cometem a indelicadeza de transformar o show num monstruoso karaokê. Situação constrangedora. A principal vítima é a canção "Menino do Rio", que foi tema de novela (se isso serve como explicação...).

Neste show, desde já considerado um dos melhores de sua carreira — e quantos já não o foram? —, o cantor e compositor baiano reaparece mais "Caetano" do que nunca. Em uma hora e quarenta, apresenta todas as músicas de seu último LP, revisita antigos sucessos e surpreende com deliciosas covers. Com um pé no passado e outro no futuro, o cenário acompanha o salto do artista. Num retorno à Tropicália, a imensa tela da Baía de Guanabara (reprodução da capa do disco, criada a partir do original da peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade) cede lugar a dois fios coloridos pendentes sobre o palco, com efeito parecido ao raio laser.

Uma modificação no roteiro antecipa um dos momentos mais aguardados: o solo de Caetano. Dessa vez, a banda (muito competente por sinal) nem bem esquentou com o samba-afoxé "Meia Lua Inteira", do percussionista Carlinhos Brown, e foi logo dispensada na segunda música, "You’ve Changed", imortalizada por Billie Holiday, com apenas a guitarra de Toni Costa como acompanhamento. A seguir, a sessão "um banquinho, um violão" onde a escolha eclética do intérprete recai sobre as elegias às mulheres ("Branquinha", para Paula Lavigne, e "Genipapo Absoluto", para sua mãe); resgate de clássicos ("Um Índio" e "Feitiço da Vila", de Noel Rosa, precedida da história de uma recente visita de Caetano, Arto Lindsay e Peter Sherer ao bairro); recuperação de canções relegadas ao esquecimento ou ao rótulo de brega ("O Vampiro", de Jorge Mautner, e "Sonhos" de Peninha) e uma transmutação — a buliçosa "(Nothing But) Flowers" do Talking Heads, quase irreconhecível de tão lânguida.

Depois desta serena passagem — onde até os cliques das máquinas fotográficas soavam perturbadores — a banda é novamente convocada para o segundo set, bem mais efusivo. O já conhecido gosto pelas cores manifesta-se tanto na canção "Rai das Cores" como no traje: pantalona vermelha, camisa amarela e púrpura, blaser e capa verdes. "Caetaneando o que há de bom", como diria o próprio Djavan, ele canta "Pétala" de modo arrebatador, valendo-se de sorrisos e gestos largos.

O clímax vem em seguida. Caetano escolheu o afro-reggae "Brilho e Beleza" do bloco baiano Muzenza para dedicar a Nara Leão, falecida na véspera do show. A letra fala da reação do povo baiano à morte de Bob Marley, chamado de "rei" e venerado até hoje com um refrão ("Adeus, não/Me diga até breve") que serve de mote para um longo comentário de Caetano sobre o culto aos mortos. A plateia, igualmente emocionada, aplaude de pé. A Rede Globo, que gravava um programa especial, inunda-a com as luzes em potência máxima. É preciso que Caetano interceda para que a iluminação volte ao normal, já que o brilho da noite viria com "Alegria, Alegria".

Em meio aos escombros da MPB, resta o intacto talento musical e poético de Caetano — ainda, um mestre.
Lorena Calabria

Show Estrangeiro - "Meia Lua Inteira" e "Alegria, Alegria":

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