quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Entrevista com John Petrucci, do Dream Theater, na Revista Guitar (em 1998)

Do papel # 13

Neste mês de agosto (de 2012), a banda americana Dream Theater desembarca mais uma vez no Brasil para a realização de cinco shows (em Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília).

Em razão desta visita do DT ao Brasil, buscamos no nosso acervo uma entrevista concedida por John Petrucci (guitarrista da banda) a Jon Chappell, e publicada na edição número 1 da Revista Guitar (em português), em 1998. Confira o bate-papo que tratou bastante do disco Falling Into Infinity (de 1997), além de assuntos como técnica, teoria, velocidade, equipamentos. etc. Clique nas imagens para ampliar as páginas da revista.


John Petrucci - Habilidade com atitude
Revista Guitar em português (ano 1, n. 1, 1998)



por Jon Chappell


Neste momento em que o rock de três acordes corre solto pelas estações de rádio e TV, uma guitarra de técnica elaborada pode ser ouvida bem ao longe. O responsável por esta guitarra é John Petrucci do Dream Theater, que, como seus ídolos (Steve Morse, Steve Howe e Alex Lifeson), cria não apenas sequências harmônicas, mas também “climas” na guitarra.

Ele adora melodias intrinc
adas e não tem medo de mostrar a sua excelente técnica. Mas John também admira os chamados “músicos de três acordes”. Com a carreira de seu grupo já consolidada, ele quer mostrar ao mundo que há espaço para todo o tipo de música, desde que ela seja de boa qualidade, e é exatamente sobre isto que John Petrucci fala nesta entrevista.

GUITAR: A sua inspiração como compositor e guitarrista é muito influenciada pelo estudo da teoria musical que você teve. Você recomendaria aos músicos que entrassem para uma escola de música?
JOHN PETRUCCI:
Claro, pelo menos para aprender a linguagem da música, que expande o poder de comunicação em qualquer circunstância. Como músico, o aprendizado desta linguagem ajuda você a se adaptar a qualquer situação. Além disso, estudar música é algo muito fácil. Na minha época, todo mundo gostava de estudar música. Isto nunca foi um tabu.

E porque agora isto é um tabu?
É... De vez em quando você encontra alguém que diz: "você deve tocar apenas com o coração". Eu nunca consegui entender por que o estudo de teoria impede você de tocar com o coração. Nunca enxerguei esta barreira entre as duas coisas.

Você tentou aprender teoria, quando começou a tocar?
Não, eu comecei como qualquer outro garoto, tocando guitarra o dia todo no meu quarto e tentando tirar músicas. Antes de ir para a Berklee [College of Music], estudei dois anos de teoria.

Você não acha que a teoria musical sempre foi relacionada com a música clássica e que isto assusta aqueles que querem tocar rock?
Eu tive este problema e sei o que você quer dizer. Sempre achei que deveria haver um ensinamento baseado no lado prático da coisa, como por exemplo, em uma situação de show: como lidar com o seu equipamento, a sua performance em frente à plateia, a comunicação entre os membros da banda, etc. Quando eu estava na Berklee, me esforcei muito para conseguir boas notas, fosse em uma aula de música ou de língua espanhola. Estudava muito, e tocava guitarra a toda hora, participando de várias bandas. O fato de saber teoria tem me ajudado principalmente nas minhas composições, especialmente em se tratando de progressões harmônicas e de quando improviso na guitarra, porque me possibilita um conhecimento melhor do meu instrumento. A teoria nunca me ajudou, com relação à técnica, que sempre foi uma coisa mecânica.

Você usava muito o metrônomo, quando praticava?
Claro. Eu praticava com o metrônomo, com o clique, com o relógio... Colocava o disco do Dio ou do Ozzy e tocava junto. Antes de aprender teoria, tirava as músicas de ouvido.

Kim Thayil (ex Soundgarden) disse que sempre praticou em frente à televisão.
Você pode dividir essas pessoas que se opõem ao estudo da música em vários níveis, como também os músicos que são adeptos ao estudo. Algumas pessoas podem saber tudo sobre teoria mas não têm muita inspiração ou talento para compor, e há aquelas pessoas que sabem tudo de teoria e são excelentes compositores, como Steve Morse, por exemplo. Por outro lado, existem pessoas, como Kim, que não têm muito conhecimento de teoria, não gostam de praticar, mas são grandes músicos. Se existe algo em comum entre o Steve e Kim, este algo é provavelmente o amor pela música e a habilidade de transmiti-lo ao público.

Você encorajaria o Kim Thayil a estudar teoria?
Claro. Ele provavelmente iria aprender algo que influenciaria a sua música e abriria novos caminhos. Se ele não gosta da teoria tradicional, poderia ser uma outra coisa, como, por exemplo, a introdução a ritmos diferentes.

Em muitos casos, o fato de alguém ter frequentado uma escola de música é sempre associado a um estereótipo. As pessoas automaticamente acham que a sua música soará igual à de todos os outros alunos. O que você acha disto?
Tudo depende da pessoa e o que ela faz com o que aprendeu. Eu não acho que você tenha que colocar um cartaz no peito dizendo que você é formado em uma escola de música. Se você estudou em casa, sozinho ou com professores particulares, o resultado poderá ser o mesmo. Uma escola de música não é necessariamente o mais importante. Você pode aprender muito em uma revista de guitarra, por exemplo. É claro que isto vai envolver uma autodisciplina bem maior.

Houve uma época em que as pessoas torciam o nariz para músicos que praticavam muito e por isso dominavam completamente o instrumento, como, por exemplo, Steve Vai e George Lynch. Isto foi baseado em um conceito genérico de que muita técnica atrapalha?
Eu não concordo. Talvez este conceito tenha sido direcionado para o neoclássico, e aí eu vejo uma razão nisto, primeiro porque o nível de técnica envolvida é inacreditável. O problema é como aplicar esta técnica na música, nas composições. Por isso, talvez, o estilo que é conhecido como alternativo tenha se tornado tão popular. Na maioria das vezes, este estilo envolve composições muito boas e melodias excelentes, além da atitude, enquanto que o neoclássico se tornou uma coisa mais individualista, mais em cima de um instrumentista com muita técnica e muitos licks. Afinal de contas, quem marcou na história da música foram os Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd. Bandas e música, ao invés de instrumentistas e licks.

Anos atrás, as grandes guitarras do rock vinham de bandas como os Yardbirds. Já, quando Tony MacAlpine começou a tocar, ele ouvia Allan Holdsworth e pensou que aquele era o padrão normal. Quando o parâmetro é tão alto assim, eu me pergunto: "e os simples guitarristas mortais, que nunca irão tocar tão bem quanto Allan? Dá para ter prazer tocando guitarra?"
A guitarra pode te proporcionar alegrias em qualquer nível. O papel do guitarrista em uma banda ou orquestra é insubstituível, nenhum outro instrumento consegue fazer o que a guitarra faz. A coisa do lick talvez não seja tão importante no geral, mas, em um nível específico — atingir objetivos pessoais e passar para um nível acima — é muito importante. É um equilíbrio necessário em qualquer coisa que você faça, seja na música ou em um jogo de tênis.

Por que você toca rápido?
Em primeiro lugar, porque é muito divertido poder tocar rápido. Quando você ouve o andamento da música e está tocando junto, é muito legal poder dobrar o tempo do solo. É como dirigir um carro veloz. As pessoas sentem uma satisfação enorme. Você se sente capaz de fazer com que o seu solo soe do jeito que deseja, tecnicamente correto. A outra razão é poder ter um vocabulário que se expande de um extremo ao outro. Se eu acho que minha parte na música deve ser executada mais rapidamente, tenho que ter a capacidade de tocar como eu desejo. Vamos imaginar que um guitarrista possua o bom gosto e o sentimento do Gilmour e que, no clímax de seu solo, é capaz de arrepiar como Holdsworth, Morse ou Vai. Ele vai arrebentar, porque sabe como usar as suas habilidades. É muito raro encontrar essa combinação em um guitarrista. Morse tem esta combinação, e Steve Vai tem capacidade para fazer isto. Ele te envolve, começando o solo de forma estranha e lenta, e no final ele "arrepia".

Você ainda é um guitarrista tão disciplinado quanto nos seus tempos de Berklee?
Para falar a verdade, eu estou me tornando mais disciplinado em outras áreas. Estou aprendendo a ser mais objetivo com a minha disciplina, eu tive que administrar o meu tempo durante as turnês e gravações. Aprendi que, quando estou gravando um disco, tenho que ter uma disciplina para me concentrar naquilo que estou fazendo: os solos que tenho que desenvolver, as partes, a criação, e não naqueles milhões de exercícios que todo mundo faz. Por isso, a sua disciplina se torna mais profissional. Também estou melhorando minha disciplina mental, que acho necessitar um maior desenvolvimento do que a disciplina física. Chamo de disciplina mental a capacidade de absorver críticas ou interferências que acontecem quando você está tocando sob pressão: você aguenta ou não. Se o sucesso da nossa banda continuar, a pressão será maior ainda. Por isso tenho trabalhado mais o lado mental da disciplina. A parte física já foi incorporada, eu nunca fui um destes caras que não conseguem praticar. Tenho que manter a minha técnica, porque algumas coisas consigo tocar a qualquer momento, outras precisam ser exercitadas. Você sabe o que é capaz de fazer, sem problema, porque já o fez milhões de vezes.

Vamos falar um pouco do disco Falling Into Infinity. De que modo este disco difere dos discos anteriores do Dream Theater?
Tudo neste disco é bem diferente. O método de gravação foi diferente porque nós queríamos que cada música do disco tivesse uma identidade própria. Nós usamos equipamentos diferentes para cada música, até mesmo no caso da bateria. Por isso, todos estavam sempre no estúdio para que, no caso de algum problema, nós pudéssemos modificar um determinado instrumento naquele mesmo instante. A gravação do disco foi literalmente um esforço coletivo e por isso as músicas saíram melhores do que nos discos anteriores e, ainda assim, elas são diferentes entre si.

Quais foram os principais tópicos destas mudanças durante a gravação?
Nós estávamos mais preocupados com a estrutura das composições, com a importância da melodia, a linha do vocal, alguma forma de continuidade com relação à estrutura.

Isso quer dizer que você talvez tenha ignorado alguns destes tópicos no passado?
Não, nós sempre pensamos assim, mas só que agora estamos mais amadurecidos com relação à composição. Nós tínhamos mais ou menos 18 anos de idade quando começamos a compor. Acho que agora, dez anos depois, nós aprendemos a diferenciar o que é importante e o que não é. Agora eu procuro compor uma boa música, sem me importar com a forma, que pode ser convencional ou não.

O que você está dizendo se aplica a qualquer artista em fase de amadurecimento. Mas vocês já receberam algum tipo de crítica com relação àquelas composições de forma não convencional?
Não, muito pelo contrário. As pessoas sempre elogiam este nosso estilo de composição.

Você acha difícil manter o nível de criatividade das composições progressivas, como por exemplo, "Lie" (Awake) e "Metropolis" (Images And Words)?
Não. Para falar a verdade, a parte progressiva é muito mais fácil de ser criada, porque você pode fazer o que quiser. As músicas mais simples é que são difíceis. Quando você ouve um disco do Peter Gabriel, Sting, Eagles ou outro destes grandes compositores, você se pergunta: "como esses caras conseguem fazer isso?". E é isso o que nós buscamos, mas sem perder a nossa identidade original.

"You Note Me" soa mais como uma canção simples, sem aquela característica do Dream Theater.
É verdade, e, quando você ouviu "Just Let Me Breathe", provavelmente deve ter deixado de nos considerar bons compositores [risos]. Há também mais duas músicas do mesmo estilo de "You Not Me". Sempre tentamos compor assim mas nunca conseguíamos chegar lá. É como qualquer outra coisa na vida, quanto mais você tenta, mais você aprende. Quando nós gravamos a "demo" das músicas que vão estar nos discos, sempre colocamos umas partes meio complicadas, que acabam sendo cortadas, quando vamos para estúdio de gravação.

Quais foram os efeitos que você usou nesta música? Eles soam quase como um pedal wah-wah...
É um wah-wah, só que eu usei duas guitarras, uma com o efeito e outra sem, por isso soa um pouco diferente. Eu dobrei a minha parte, que passa por um Crybaby, mas sem abrir todo o efeito para evitar o chiado.

Fale um pouco daquela interação em "Just Let Me Breathe".
É uma "conversação" entre o teclado e a guitarra. O Derek Sherinian e eu estamos sempre tocando ao mesmo tempo. Nós gravamos a guitarra e o teclado em um mesmo canal com o controle pan à esquerda. Para falar a verdade, foi muito difícil de gravar, porque ela é toda em semicolcheias que nós dividimos em grupos de cinco notas: em uma pista nós gravamos o primeiro grupo de cinco notas e em outra o segundo grupo.

E aquele efeito ao contrário de "envelope filter"?
É a guitarra e o teclado. A guitarra está apenas fazendo um harmônico no compasse o teclado usa o botão de pitch. É uma sonoridade que você ouve em todo o álbum.

Como foi que você criou aquele estranho riff nesta mesma música?
Inspirei-me na música "Mean Street" do Van Halen, e o ritmo em cinco eu já tinha há muito tempo. Aí nós criamos um groove em cima disto, um groove meio no estilo do Santana.

A música "Peruvian Skies" está mais perto do estilo tradicional do grupo...
Nós temos outras músicas neste estilo, mais épico, no mesmo disco. Um estilo pelo qual somos identificados. Existem três músicas no disco que são típicas do Dream Theater, o resto está mais dentro do estilo de "canções simples".

O som da sua guitarra nesta música é bem convencional, como praticamente no disco todo.
Eu usei a minha guitarra Ibanez com um Crybaby em um Mesa/Boogie. A única coisa extra que usei nesta música foi um Boss NS-2 como noise gate, que eu liguei no wah-wah.

Então você usou a configuração básica do Hendrix, com o wah-wah ligado direto no amplificador?
Exato, porque assim você consegue o som natural do amplificador. Se eu não estiver usando algum efeito estranho interagindo com alto-falante, gosto do som seco, com um pouco de delay.

O solo apresenta um som rico em "reverb". O que você usou?
Bom, deixei o nosso produtor Kevin cuidar disso, mas acho que ele usou um Lexicon PCM-90 e um delay PCM-70.

Qual foi sua participação na mixagem?
Deixo tudo na mão dele, porque ele sabe o que faz. Ele não precisa de cinco músicos falando no ouvido que o vocal está baixo, que a guitarra está muito alta, ou pedindo para aumentar o sinal nesta ou naquela parte da música. Eu apenas digo a minha opinião sobre o delay ou outro efeito qualquer. Mas ele conhece o meu som muito bem e sabe do que gosto.

E se você usar uma determinada repetição no seu delay?
Neste caso, qualquer coisa que é interativa, nós gravamos com o delay. Em "Peruvian Skies", por exemplo, havia uma parte com slide. Era um pedal Ibanez Talman e um phaser Ibanez — esta nova linha de efeitos retro que eles estão fabricando — ligado ao NS-2, a um Boogie Rectifier Trem-O-Verb, e a um delay. Este tipo de configuração não pode ser colocada depois, porque soa muito artificial. Quando você tem um phaser e um delay ligados no amplificador, o som fica distorcido, soando sujo e desafinado. Este é um bom exemplo de como a coisa funciona, quando você está gravando, mas que soaria totalmente diferente — e totalmente errado —, se você colocasse o efeito depois.

Suas guitarras acústicas têm um som puro. Elas são microfonadas?
São, elas não têm captadores, o que é raro em rock pesado, onde a maioria dos guitarristas usa um captador pequeno. O Kevin prefere colocar apenas o microfone, porque gosta do som seco e puro, e só adiciona um delay se eu pedir para ele. Quando eu estava gravando a guitarra acústica, ficava andando de um lado para outro, com a guitarra e perguntando: "está bom aqui? E agora?". Aí ele respondeu: "dá para você ficar parado em frente ao microfone e apenas tocar?".

Você usa amplificadores Boogie de série?
Uso. Eu experimentei vários deles para a gravação.

Mas a sua sonoridade é bem pesada, como em "Burning My Soul", e os amplificadores Boogie têm um som mais aveludado.
Bom, não sei... é a sonoridade do Metallica, não é? Eu consigo tirar qualquer tipo de som desses amplificadores.

E aquele groove africano em "Take Away My Pain"?
Eu fiz esta música em homenagem ao meu pai. Originalmente, esta música era toda acústica, guitarra e vocal. Achei que soava muito no estilo daquelas baladas dos anos 80. Aí ouvi a trilha sonora do filme O Rei Leão que eu gostei muito e aquilo ficou na minha cabeça. Nós já havíamos conversado sobre uma mudança na direção da gravação dessa música. Nós usamos duas referências, uma delas a guitarra e bateria de "Follow You, Follow Me" do Genesis. Nós gravamos a guitarra fazendo apenas ostinatos [frases rítmicas que se repetem]. Tem também um groove de bateria que nós usamos como um loop. Tudo com muito ritmo: o ostinato da guitarra, duas baterias e alguma percussão, ou seja, uma coisa tribal. Foi difícil tocar aquele arpejo durante toda a música, a minha mão esquerda começou a doer ainda no meio da gravação.

Qual é a razão daquele desenho gráfico na sua guitarra Ibanez?
Tem um cara que fez uns desenhos para a Ibanez. Um dia, fui testar algumas guitarras na fábrica e gostei muito do som desta com os desenhos. Foi uma casualidade que acabou virando uma marca registrada.

O seu equipamento foi configurado para uma gravação do tipo "ao vivo". Até mesmo a disposição de vocês no estúdio permite que todos consigam se ver.
Esta configuração modificou completamente o modo que nós gravamos, e modificou a minha maneira de gravar com a banda.

E isso afetou também no som da banda?
Completamente. O que você ouve agora é a banda tocando ao vivo... mas no estúdio [risos].
Revista Guitar (n. 1, 1998)
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário