quarta-feira, 31 de outubro de 2012

20 anos da banda Glory Fate: entrevista com o guitarrista Michel Macedo



por Luís André Bezerra

Neste ano de 2012 a banda Glory Fate, do Cariri cearense, completa 20 anos de estrada. Em 1992 surgiu como StormBringer e tem no currículo três discos lançados (todos já estampando o nome Glory Fate nas capas). Durante a trajetória foram inúmeras formações, e o time atual é composto por Makim (vocal e guitarra), Michel Macedo (guitarra), Eduardo Tavares (baixo) e Kassius Kley (bateria).

Na próxima sesta (feriado de 02-11-2012) a banda participará de mais um show em Juazeiro do Norte (para saber mais sobre o evento, clique aqui) e batemos um papo com Michel Macedo, o único membro da formação original da banda, o "dinossauro" que leva adiante o som da Glory Fate há duas décadas.


O BERRO - Reproduzimos no blog um texto que você havia publicado em 2002 na Revista Geral, contando um pouco da história do rock caririense desde os anos 80 (para ler o texto, clique aqui). E tua vivência pessoal? Como começou a se interessar por rock e resolveu aprender a tocar guitarra?
MICHEL MACEDO - Desde criança em casa eu ouvia Beatles, inclusive meu pai dizia que "tinha pago uns caras pra fazerem uma música pra mim". Aos 10, 11 anos eu já sabia que um primo (a ovelha negra da família) em Fortaleza tinha banda, e meu tio de Natal me apresentou ao Pink Floyd. Aí pronto...  Mas, na verdade, quase toda a minha família é muito musical, e para o lado do rock. Resolvi tocar guitarra quando ouvi Deep Purple. Agradeço ao [Ritchie] Blackmore pela inspiração.

Lembrando ainda a fase da sua adolescência, cita uns discos fundamentais para que o rock te fisgasse na época. E com o passar do tempo, continua achando esses discos tão bons quanto antigamente?
Eu tinha, na oitava série (aos 12 anos), uma fita k7 com RPM — Rádio Pirata Ao Vivo, uma Basf Cromo 60 minutos — e eu ouvia todos os dias. Depois ganhei um LP do Ultraje a Rigor (Sexo), que eu gostava muito das guitarras, aí comecei a gostar de Raul Seixas também, e meu tio Aldo (pai de Artur Menezes [guitarrista e bluesman]) que fazia muito tempo que não o via devido à distância, me deu, aos 13 anos um LP coletânea do Pink Floyd (Works). Esse LP caiu e quebrou, então fiquei puto e resolvi comprar todos do Pink Floyd. Graças a isso o estilo que mais me agradava na época era o rock progressivo, eu passava o ano passando fome no colégio, juntando dinheiro para nas férias viajar para Fortaleza ou Natal e comprar LPs. Clássicos dessa época pra mim eram Moving Waves (Focus), In the Court of the Crimson King (King Crimson), Trilogy (ELP), Fragile (Yes), Machine Head (Deep Purple), Aqualung (Jethro Tull), entre outros. Sim... RPM, Ultraje a Rigor e Raul Seixas nem escuto mais.

E voltando à história do Rock caririense, quais as principais mudanças do período do início da banda Glory Fate (surgida em 1992, com o nome de StormBringer) para os dias atuais? O que melhorou e o que piorou para o rock local?
Rapaz, foram inúmeras mudanças de formação — Adriano (ex-baterista) perdeu a paciência de refazer a história contando mais de 20, pelo menos. Acho que as mudanças em 99% deram uma melhorada na banda, um amadurecimento. Creio que no início a tribo era mais unida, tinha prazer em sair de casa para ouvir música e conversar. As novas gerações são meio "autistas", passam a maior parte da vida sozinhas no Facebook, achando que estão interagindo com o mundo, isso é muito esquisito.

As bandas do Cariri estão aproveitando bem o que há de novidade para a divulgação de trabalhos através da internet? Dá pra perceber uma melhor organização e planejamento de trabalho?
Creio que estão, mas hoje em dia é uma avalanche tão grande de informações que muita coisa boa se perde. Às vezes fica difícil de separar o joio do trigo.

No que a existência de espaços como SESC (Unidades Crato e Juazeiro) e Centro Cultural Banco do Nordeste têm ajudado às bandas e à formação de público na região do Cariri?
É ótimo [ter esses espaços], e ao mesmo tempo é triste perceber que perdemos os espaços públicos. Antigamente tocávamos em todas as festas populares da região, havia espaço e público sempre houve. Mas hoje em dia, não só o rock como a boa música em geral, está meio confinada a espaços fechados, longe do povão. Mas é muito bom tocar em um espaço bonito, com som bom e profissionais preparados.

O fato de as letras da Glory Fate serem cantadas em inglês já fechou algumas portas? Caso a resposta seja positiva, isso chateia de alguma forma ou sempre estiveram preparados pra isso?
Às vezes ainda nos sentimos na época da inquisição por aqui. Dizem que, cantando em inglês, fazemos propaganda do imperialismo americano (sendo que o heavy metal é [originariamente] inglês), dizem que temos que (e parece que só) valorizar as coisas da terra — sendo que dois grandes escritores brasileiros que posso citar, Machado de Assis e Ariano Suassuna, tiveram forte influência de Shakespeare. Enfim, é muita "desnocionalização". Dizem também que o rock é do demônio, e o rock, na verdade, é a única música que já tentou melhorar o mundo. Mas é isso, um povo que não lê termina acreditando em tudo. Nós cantamos em inglês porque heavy metal é pra ser cantado em inglês, assim como bossa nova só fica bom em português. Bandas de heavy metal italianas, francesas, alemãs e até de outros planetas cantam em inglês. Patriotismo é outra coisa completamente diferente.


A Glory Fate teve diversas formações e os intervalos das gravações entre os discos Tears of Freedom (2000), Bad Moon Rising (2006) e Ride on the Roller Coaster (2011) foram sempre na faixa de 5 a 6 anos. O que explica mais as mudanças de sonoridade de um disco pra outro: a contribuição e o estilo de cada novo integrante ou uma ideia de que a banda não deve ter um único estilo?
Na verdade nós estamos chegando ao estilo que queríamos desde o início (falo por mim, mas acho que o restante da banda concorda). Nós começamos tocando punk rock porque não sabíamos tocar bem — eu não gosto de punk rock. No primeiro disco [Tears of Freedom] havia em todo o país uma forte influência do Angra, que era a banda do momento, por isso tantos teclados e tal, mas eu nem gosto tanto de heavy melódico, prefiro o “tradicional anos 80”, que é o nosso estilo atual. Depois que [o guitarrista e vocalista] Markim entrou na banda, juntou a panela e a tampa, a gente se diverte muito. A demora em gravar discos é porque, em primeiro lugar, é uma chatice gravar, bom é tocar ao vivo com o povo enlouquecendo. Junta isso com o fato de também ser caro e o tempo livre que dispomos não é grande, visto que todos temos empregos, fica difícil até ensaiar muitas vezes. Acho que a melhor definição atualmente para o som da Glory Fate é dizer que parece o Running Wild — já compramos até os chapéus de pirata.

O último CD que vocês gravaram, Ride on the Roller Coaster, tem essa sonoridade do metal tradicional, mais “oitentista”. O público mais jovem da banda se interessa por esse som ou ainda se identifica mais com as composições de quando a banda flertava com um estilo mais voltado pro "heavy metal melódico"?
Esse novo CD tem tido boas resenhas, muitos elogios, mas claro que ainda tem gente que diz que prefere o primeiro. O segundo [Bad Moon Rising] eu acho que já estava chegando onde a gente queria (que é o que há nesse novo), só não gostei do som das guitarras, no Ride On The Roller Coaster está bem melhor. Nos shows a empolgação tem sido ótima! Como as músicas têm refrões pegajosos, todo mundo já aprende a cantar na primeira audição e isso é muito bom.

Quais os próximos projetos da Glory Fate? Depois de 20 anos de "teimosia" em espaços alternativos ainda há muito o que sonhar ou a motivação é apenas ter a certeza de estar fazendo o que gosta?
Tocar, se divertir, gravar, viajar, fazer novas amizades, fazer raiva a quem merece também e depois tudo isso de novo. Eu sempre costumo dizer para bandas que estão começando para não se levarem tão a sério, até porque o mercado brasileiro morreu, não existem perspectivas. Fizeram tudo errado, como sempre: abriram espaço para apenas umas duas bandas grandes e fecharam a porta para as outras, quando essas bandas grandes ruíram, acabou-se tudo. Tem também o velho problema ainda dos tempos de colônia, em que brasileiro só valoriza o que vem de fora, além do problema da mídia fazer de tudo para que pensem que rock não existe no Brasil, que só existe música que não acrescenta nada (ou que, pior ainda, aliena). Então a fórmula é seguir sem destino, aproveitando a viagem, já que não se vai pra lugar nenhum mesmo.
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Para ler uma resenha e baixar o disco Ride On The Roller Coaster, clique aqui.

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