sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Centenário de morte da Beata Maria de Araújo: 17 de janeiro de 1914-2014

 foto: Ythallo Rodrigues

Há exatos 100 anos, no dia 17 de janeiro de 1914, falecia em Juazeiro a Beata Maria de Araújo. A beata viveu cerca de 50 anos — já que há divergências sobre sua data de nascimento, sendo a mais provável 24 de maio de 1963 —e entrou para a história como a protagonista dos eventos que ficaram conhecidos como "O Milagre de Juazeiro".

Maria de Araújo teve uma vida dedicada às orações, à religiosidade. Assim como outras beatas e beatos, embora leiga, tinha o compromisso de doar sua vida à devoção, à prática religiosa. E na primeira sexta-feira da Quaresma, no dia 1º de março de 1889, após receber a comunhão do Padre Cícero Romão Batista na Capela de Nossa Senhora das Dôres, Maria de Araújo e todos os presentes viram, incrédulos, a hóstia consagrada se transformar em sangue na boca da beata. Depois daquele dia, o fenômeno ocorreu mais de cem vezes (alguns estudiosos, como o prof. Renato Dantas, têm o registro de 119 sangramentos da hóstia na boca da beata).

Os fatos tidos como miraculosos por muitos devotos significaram alguns problemas para Maria de Araújo, para o Padre Cícero e demais padres ou devotos que acreditaram, à época, no "milagre da hóstia". Após algumas investigações e processos controversos, sob a chancela, mesmo à distância, do bispo D. Joaquim, o milagre foi considerado um embuste, uma farsa. A beata pagaria "pelo crime" com o seu isolamento, uma reclusão até o fim da sua vida, e o Padre Cícero, por não aceitar renegar Maria de Araújo e os fatos por ela protagonizados, teve suas ordens de sacerdote cassadas pela Igreja Católica Apostólica Romana.

A beata nunca aceitou voltar atrás da crença de que havia sido interpelada diretamente por Jesus Cristo para que levasse uma mensagem de fé ao povo de Juazeiro, de que o Juazeiro a partir de então seria um chão sagrado para a salvação das almas. A mística religiosa, mesmo não podendo seguir seu ritual religioso na Igreja, acabou sendo protagonista dos fatos que alavancaram o desenvolvimento de Juazeiro. Com a divulgação dos fatos na imprensa por parte do José Marrocos, ardoroso defensor do milagre, o lugarejo começou a receber visitantes de várias partes do Nordeste, que passaram a considerar o Juazeiro uma terra sagrada. Em linhas gerais, teríamos esses fatos como um resumo — bastante simplório, por sinal — da vida de Maria de Araújo.

Portanto, não é necessário muito esforço para fazer uma relação direta entre os fatos protagonizados por Maria de Araújo e o início do desenvolvimento do então Joaseiro, que cresceria ano após ano, até conseguir em 1911 sua emancipação política da cidade do Crato e que alavancaria um desenvolvimento vertiginoso, fazendo hoje de Juazeiro do Norte a maior cidade do interior cearense, cujas romarias em seu território não pararam de crescer, com o prestígio cada vez maior da figura do Padre Cícero Romão Batista. Já a Beata Maria de Araújo, protagonista dos fatos miraculosos, acabou relegada ao papel de figura "marginal", nem sempre sendo lembrada quando se fala da história de Juazeiro e de sua religiosidade.

Um exemplo do descaso com a memória de Maria de Araújo é verificável no episódio da violação do seu túmulo, na Igreja do Socorro, em outubro de 1930: 16 anos após o seu falecimento, os restos mortais da beata foram retiradas de sua sepultura, sendo até hoje desconhecido seu paradeiro. A beata passou a ser, como muitos dizem, 'a mulher sem túmulo'. Essa é uma das tantas lacunas provocadas na história de Maria de Araújo, uma das tantas coisas sem explicação na sua vida (e na sua morte).

Se em 1930 houve esse crime com a memória da beata, pudemos presenciar no último dia 02 de novembro, na Romaria de Finados, o descaso com qualquer indicativo do que poderia ser o local destinado ao túmulo de Maria de Araújo. Na parte interna da Capela do Socorro, ao lado da porta principal, onde a beata havia sido enterrada, há apenas uma pequena imagem com sua foto [imagem acima deste texto]. Já na parte externa, vimos a placa que foi fixada, em 1991, em homenagem à beata: a placa indica que ali "repousam seus restos mortais", o que parece ser uma mera tentativa de corrigir, simbolicamente, o crime praticado em 1930. O fato é que resta essa placa, ao lado de uma escada que " não leva a lugar nenhum", que esbarra em uma parede, já que alguns anos depois da homenagem do descerramento da placa, um muro foi levantado ao seu lado, isolando ainda mais a placa alusiva à memória de Maria de Araújo. É neste tipo de contexto que se encontra a "memória" da cidade de Juazeiro para com a mulher que foi uma das responsáveis diretas pelo crescimento e desenvolvimento do município.

O descaso parte também, obviamente (ou principalmente), do poder público. No referido dia de finados, nos encontramos com o professor e pesquisador Renato Casimiro e conversávamos sobre o abandono, sobre a falta de zelo com todas essas memórias. Dias depois, inclusive, Renato Casimiro publicou no Jornal do Cariri um artigo criticando o "abandono" do Cemitério do Socorro, lugar onde estão enterradas pessoas de centenas de famílias desta cidade, que ajudaram a desenvolver o município, dentre elas figuras que merecem destaque na história do Juazeiro, como José Marrocos, Beato José Lourenço, e onde, simbolicamente, está indicado o local de sepultamento de Maria de Araújo.

Vale mencionar, é bem verdade, o esforço de alguns artistas, estudiosos, professores, pesquisadores, jornalistas, religiosos, etc., que esperam ver a Beata Maria de Araújo com maior destaque nos relatos históricos sobre o Juazeiro. E frise-se que essa é uma questão que vai muito além da crença religiosa de cada um, tem muito a ver com a rememoração da construção de um lugar, com o reconhecimento da história do povo humilde que é agente de transformação do espaço, que é protagonista das ações e trocas de experiências que resultam na vida de determinada localidade, no caso específico, no surgimento e crescimento de Juazeiro do Norte.

Neste 17 de janeiro de 2014, portanto, Juazeiro traz, embora timidamente, o nome de Maria de Araújo à tona em alguns eventos que lhe prestam homenagens. No nosso blog O Berro, pensamos que é importante ouvir cada vez mais essa história, entender melhor como uma mulher negra, pobre, analfabeta, enfrentou interrogatórios e inquéritos eclesiásticos condenatórios, que tentaram fazer daquela juazeirense uma embusteira, uma farsante. Por ora, pouco ou quase nada importa para nós se aqueles fatos foram milagrosos ou não. O que importa é que o povo nordestino (e resistente) decidiu alimentar sua crença com o dito "sangue de Cristo que jorrou da boca da beata" e elegeu o lugarejo como um espaço sagrado e assim construiu a história do município. O que importa é que um pequeno vilarejo foi palco de histórias extraordinárias e controversas, que até hoje alimentam a crença, a religiosidade popular e o imaginário de milhões de nordestinos e brasileiros.

Não importa se chamam os "acontecimentos de Joaseiro" de histórias, fatos, mitos, lendas, profecias, milagres ou farsas. O que importa é que são narrativas ricas, complexas, instigantes. E de boca em boca, na páginas da imprensa, em livros (defensores ou detratores) construiu-se o imaginário de um lugar, que segue a alimentar sonhos e a esperança de milhares de romeiros que visitam Juazeiro a cada romaria, em diversas épocas do ano.

Para isso tudo, voltamos a mencionar a importância de se lembrar da figura da Beata Maria de Araújo no desenrolar dos fatos que transformaram Juazeiro. O Berro pretende continuar a conversar sobre essas narrativas, dar espaço a diferentes visões dos que pretendem discutir e situar a beata na história da "cidade que surgiu de um sonho". Em 2011 encaramos uma saga de postagens sobre Juazeiro do Norte, que se encerrou exatamente no dia do centenário de emancipação política do município (22 de julho de 2011). Já neste início de 2014 o centenário do falecimento da Beata é um impulso para o início de algumas postagens, que não prometemos que chegarão a uma centena, mas que de alguma forma tentarão olhar e registrar cada vez mais o nome de Maria de Araújo e outros personagens do povo desta cidade, que merecem ser citados como tendo nomes, rostos, sonhos, crenças, trabalhos, e, depois da morte, túmulo. É o mínimo.

Equipe O Berro

fotos: Ythallo Rodrigues
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Outras postagens do blog O Berro relacionadas à Beata Maria de Araújo:
- Beata Maria de Araújo e Padre Cícero em matéria do Fantástico (1997)
- "Procura-se" Beata Maria de Araújo
- Ilustração e poema sobre a Beata Maria de Araújo
- 122 anos de romarias em Juazeiro do Norte

- Beata Maria de Araújo por Raimundo Araújo, no livro 'Mulheres de Juazeiro'

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