quinta-feira, 19 de junho de 2014

Poesia sem graça



por Amador Ribeiro Neto

Gregório Duvivier é carioca e tem 28 anos. Já se consolidou como roteirista e ator de talento. É ator e criador do canal Porta dos Fundos, grande sucesso da Internet. Sucesso merecido. De fato o grupo desta página vem renovando o humor brasileiro. Além disto, ele assina uma coluna semanal na Ilustrada da Folha de São Paulo.

Em 2008 publicou A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora (Rio: Editora 7Letras) e no ano passado Ligue os pontos, poemas de amor e big bang (São Paulo: Companhia das Letras). Ambos de poesia.

É aí que a coisa começa a pegar. Pra usar a linguagem do humorista. Gregório Duvivier cismou que é poeta. E tem sido muito bem recebido por colegas poetas, como o Armando Freitas Filho. Mas não só: ele acaba de entrar para a lista dos finalistas na categoria poesia do Prêmio Telecom. Além disto, ser publicado por uma grande editora como a Companhia das Letras, também é sinal de reconhecimento.

Bem, vamos à sua poesia: “o mês de agosto parece o bairro / de são conrado: é difícil atravessá-lo / às vezes demora meses sobretudo / quando chove mas é inevitável / passar por ele – é inevitável”.

Eu fico me perguntando: que diabos estes poetas da geração 2010 viram no mês de agosto pra cismarem de fazer poesia sobre o surrado dito “agosto mês do desgosto”. A Angélica Freitas é outra que incorre na mesma leseira, no livro que aqui comentamos.

Não é somente pela absoluta obsessão pelo azar que o mês de agosto traz (sic!). É pela rudeza, pela ignorância, pela boçalidade de tomar o prosaico e não conseguir superar sua pasmaceira. Não vertê-lo em poético. Me lembro aqui de Bandeira dizendo da inviabilidade da vida na pensão burguesa. Quanta inventividade no modo de dizer o que todos sabemos, o que todos estamos cansados de ver. E até vivenciar.

Agora vem Gregório Duvivier querendo fazer piada em tom existencialista sobre agosto e são conrado quando chove? Oras, haja paciência...

Não só de piadinhas vive este aclamado poeta. Vejamos: “querer tudo é não querer / nada é perceber que nada / é pior que tudo e qualquer / coisa é melhor que nada / é melhor do que não querer / tudo é querer uma coisa só / pois para ser feliz é preciso / querer uma coisa só e saber / deitar ao lado dela – quieto”. Bem, aqui, o poeta se dá ares de filósofo de botequim: “quem tudo quer, nada tem”. E termina com um auxílio ao leitor: ser feliz é querer uma só coisa e deitar quieto ao lado dela. Auxílio, no caso, é a lição de autoajuda. Evidentemente.

Entendemos que o poeta tem bom coração e boas intenções. Mas ele precisa ler muita poesia. Brasileira e universal. A de hoje e a de tempos passados. Para não ficar macaqueando o desleixo instaurado por este grupo de poetas neomarginais.

Mas ele insiste em ser engraçadinho e a filosofar como se estivesse na mesa de bar. Bêbado. Eis mais um poema com plena falta de rigor da linguagem. E do tema. Este possui título: “deixa passar a noite”. Diz assim: “antes do big bang o mundo / era uma bola de ping-pong / e ao redor dela nada nada / nada a não ser o silêncio / como nos pastos ou nas casas / em que já não mora mais ninguém”. Grande sabedoria. Eu me redimo.
____


Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 13 de junho de 2014, p. 7.

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário