quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Poesia da delicadeza



por Amador Ribeiro Neto

Ana Luísa Amaral nasceu em Lisboa, em 1956. Professora da Faculdade de Letras do Porto, trabalha com poéticas comparadas, estudos feministas e teoria queer. É finalista do Prêmio Portugal Telecom de 2014 com Vozes (São Paulo: Editora Iluminuras). Já o fora em 2007 com A gênese do amor.

Vozes exige alta concentração do leitor. Seu universo poético, ainda que visite variados temas e circunstâncias histórico-estéticas, conflui para uma linguagem elaborada e densa. O difícil, tão caro a Paul Valéry, parece ser um de seus temas dominantes.

Difícil na estrutura sintática muito bem elaborada. Difícil na composição de imagens inefáveis e inacabadas. Difícil na apreensão do que diz, já que a elipse é uma de suas figuras preferidas.

No entanto, não nos iludamos: este difícil tem um alto poder de sedução. Lê-la é ter o prazer de desvendar o desconhecido. De revisitar o déjà vu. De estabelecer relações com a paródia. De reativar os laços da intra e intertextualidade.

O universo de sua poesia é a morada de uma polifonia que encanta. E por isto mesmo e pede reiteradas leituras multiprazerosas.

Nada em Ana Luísa Amaral beira o prosaico. O coloquial vem revestido de uma sintaxe e semântica que, embora devam ser correntes entre os lusitanos, soam cultos e elaborados para nós brasileiros. Melhor dizer: há finesse em sua escrita.

Outra tônica de sua poesia é a presença marcante de uma musicalidade que soa por vezes tonal, por vezes atonal. Este contrabalanço melódico imprime aos poemas uma dinâmica que reverbera na construção das imagens. O ritmo hipnótico dos versos vem acompanhado por sequências cinematográficas de imagens.

O movimento, o contramovimento. As cenas. O fundo das cenas. Tudo converge para a construção de uma poesia que se dá e pede a cumplicidade do leitor. Não por menos, vários de seus poemas terminam por um travessão, o sinal que é a rubrica para o diálogo. Inconclusos, os versos têm continuidade em outros poemas.

Desta forma o livro tece-se como requintada renda renascença. Com linhas pós-modernas. Que incorporam a falha como um elemento inconsútil do texto. E aí reside uma das grandes marcas de Ana Luísa Amaral: compor com a rarefação de imagens, ideias e melodia.

Cito versos de “Quase soneto e de amor!”: “Caminhas como vírgula encostada a página, / não como folha ou haste exclamativa”. “aquele que se inclina no teu porte lento / e eu desejava em plena exatidão”.  “e os pés tocassem raso o que era ali no céu. / Mas falamos de página, não falamos de corpo / porque senão falava dos teus olhos, // e punha mais dois versos, fá-los-ia rimar. / Diria <<São perfeitos os teus olhos, / Porque voam – >>”.

Compor o poema dentro da brecha, no espaço do vácuo. Muitas vezes, no limite do nonsense. Mas, sempre, com horror vacui. Porque sua poesia um pé na tradição e outro na contemporaneidade. Isto Ana Luísa Amaral faz com a maestria de poucos e raros.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 22 de agosto de 2014, p. 9.

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