quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Poesia de cantilenas



por Amador Ribeiro Neto

Salgado Maranhão, maranhense, nasceu em 1953. Poeta, jornalista, letrista de canções e consultor cultural, em 1999 ganhou o Jabuti por Mural de ventos. Em 2011 recebeu o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras com A cor da palavra. Com O mapa da tribo (Rio de Janeiro: Editora 7Letras) é finalista do Portugal Telecom 2014.

No prefácio, Domício Proença Filho afirma que este livro “amplia os espaços poéticos da obra em expansão de Salgado Maranhão”. E continua: “sua tribo é a dos viventes do agreste” e “o poeta se revisita em profundidade”. Ele está corretíssimo.

Todavia, não sei se movido pela pressa, ou por outro motivo, afirma que o livro tem cinco partes, quando tem seis. Observa que “na estruturação alternam textos em verso e poemas em prosa poética”. Não é bem assim. Apenas a primeira parte está organizada desta forma. Mais: declara que há na última parte um “diálogo intertextual com o Guesa de Sousândrade”, quando na verdade apenas um poema desta sessão procede assim. Numa nova edição convém rever tais deslizes do prefácio.

Para Iracy Conceição de Sousa, no posfácio, “definitivamente seu livro é o desdobramento de uma busca pela essência da própria busca”. Ela não justifica tal assertiva, que me parece gratuita. Sim, fica claro que o eu lírico vai ao passado à procura de sua origem. Bem como intenta dar corpo a uma linguagem que cita a si própria. Funções bem definidas. Buscar a essência “da própria busca” é filosofia demais.

Salgado Maranhão escreveu um livro bem comportado. Não é difícil identificar sonetos decassílabos heroicos. Mesmo quando não formatados no esquema petrarquiano de duas quadras e dois tercetos. Há quadras em redondilha maior, ao modo dos cantadores de viola nordestinos. E haicais admiráveis.

No geral, ele não ousa nos temas nem na forma. Dá conta do recado. Possui versos bonitos como: “Tudo está gravado / num espelho sem face, / que vê para dentro / como o olho dos cegos”. Ou esta outra quadra: “E avanço / entre cerradas urbes, / cardando rimas / que me traduzem”.

Destaco três dos que me parecem ser os mais belos versos do livro: “Não há receios nem compulsão. / Há somente a foz do orgasmo / de um oceano insondável”. A beleza da “voz”, que ecoa foneticamente em “foz”, e do “som” que reverbera em “insondável”, dá a tessitura erótica da cena que se insinua. Rigor da linguagem.

Mais: “Nômade entre anônimos / recolho a poesia / in natura”. Bonito. Porém, na sequência, ele escorrega em metáforas surradas: “ante os glóbulos da noite / e o céu de rubis”. Uma pena.

Da mesma forma, o uso abundante das metáforas, o excesso de adjetivos, não raro ligados ao nonsense, tornam a leitura cansativa. E a feitura dos poemas previsível. É o que temos em: “São tropéis de relâmpagos / nas veias, cacos de um céu / furta-cor, inconsútil, ante / a convulsão das tripas ocas / e o tráfico de abismos”. Ou: “Não posso antever / além do halo de metáforas / ávidas e/ou / vulcão rugindo luas”. Ou: “Parido / desde a jaula do peito / o real devora o conceito”.

Há boa poesia. E há lengalenga em O mapa da tribo.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 19 de setembro de 2014, p. B-7.

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