quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Poesia do mal-estar



por Amador Ribeiro Neto

Iacyr Anderson Freitas (1963) é mineiro, engenheiro civil, mestre em Teoria da Literatura. Além de poeta, é ensaísta e prosador. Inúmeras vezes premiado no Brasil e no exterior. Sua obra foi traduzida nos Estados Unidos, Itália, França, Suíça, Argentina, Chile, Colômbia, Espanha e Portugal. Publicou 23 livros de poesia, incluindo 3 para o público infantojuvenil. Iacyr Anderson Freitas é finalista do Prêmio Portugal Telecom 2014 com Ar de arestas (São Paulo: Escrituras Editora).

O livro tematiza a dor. Estende-se sobre ela, seus efeitos e causas. A dor e seus avassaladores tentáculos. Antes de pensar a poesia do livro, lembrei-me de Luto e melancolia, de Freud (Cosac Naif; tradução de Marilene Carone), e de Diário de luto, de Roland Barthes (Martins Fontes; tradução de Leyla Perrone-Moisés).

Lembranças que cobrem o universo temático. Pouco importam. O que fica do livro de Iacyr Anderson Freitas é, a poesia. Não a sua, infelizmente. Mas a de João Cabral.

A presença da poesia cabralina é tão forte que chega a ser sufocante. Não é uma influência que renda outra poesia exata, precisa, geométrica. Que renda uma poesia rica. E no entanto diversa. Uma influência que o leitor reconheça estar presente. Mas que mantém os devidos e necessários limites entre a obra originária e a derivada.

Não é por Cabral ser mestre que outro poeta não possa sê-lo. Não se discute isto. Ou então advogaríamos que há obras únicas que jamais permitiriam reverberações. Não procede. Cervantes, Baudelaire, Mallarmé, Joyce, Graciliano, dentre outros, têm suas marcas reconhecidas nos mais variados autores e poetas, de diferentes épocas.

Não é a vertente singular do estilo de Cabral que oprime. O que constrange é constatar que Ar de arestas é frontalmente uma obra clonada da poesia cabralina. Neste caso a influência não é caso apenas de angústia para o leitor que constata a imagem do primeiro colada na do segundo.  É mais que isto. E uma situação de saia justa.

Lê-se o livro e a toda hora a mesma percepção: a imagem, a sonoridade, a lógica das ideias, a organização formal – tudo é bem feito e bonito. Tudo é tocante. Mas... tudo já fora feito por Cabral. Tal e qual. Se feito antes, pra que fazer novamente?

Paulo Henriques Britto, no prefácio, emprega vasta teorização literária para provar que a poesia de Iacyr não é cabralina. Que é outra coisa. Como gostaria de ser convencido por seus argumentos urdidos com lógica e empenhos persuasórios. Mas quanto mais leio o arrazoado do prefaciador, mais me conscientizo de que o esforço de Paulo Henriques Britto é o de negar o óbvio.

Seu posfácio é lógico, assertivo. Mas, para além do espelhamento duro e cru de Cabral em Iacyr Anderson Freitas, fica a pergunta: se a poesia do mineiro é diversa da do pernambucano, para que escrever o prefácio enfatizando esta diferença? Por que não escrever sobre a poesia de Ar de arestas abordando en passant o diálogo com Cabral?

A título de exemplo cito as duas quadras que abrem o livro: “Tão de leve principia / que em nada, quando começa, /lembra o calor de seu dia, / armado de tanta pressa. // Armado de nervos, quinas, / um ardor de mil arestas, / capaz de aguçar esquinas / no inferno de suas festas”. E por aí segue o livro, tatuado de Cabral. 
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 05 de setembro de 2014, p. B-7.

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