terça-feira, 21 de outubro de 2014

Cinema brasileiro na estrada



por Luís André Bezerra

Na reunião que pautou esta edição da Revista SÉTIMA, o editor Elvis Pinheiro sugeriu como mote uma fala do professor Paulo Cunha, da UFPE, que destacava o viés do «estar na estrada» do cinema brasileiro. Partindo apenas da ideia geral, assumi então o compromisso de falar sobre filmes nacionais com esse espírito de «pé na estrada».

No exercício de puxar pela memória, lembrei que justamente o último filme que vi em uma sala de cinema foi uma produção nacional com essa temática: À Beira do Caminho, dirigido por Breno Silveira (2012). No enredo, a história do pequeno Duda, sozinho após a morte da mãe e obstinado a viajar até São Paulo para tentar conhecer o pai. Na estrada acaba conhecendo o caminhoneiro João (João Miguel), um antigo fã de Roberto Carlos. As canções do «Rei» embalam a história, com quilômetros de encontros e desencontros. Fácil também lembrarmos do início da carreira do próprio Roberto Carlos (na Jovem Guarda, anos 60), com todo um apreço pela velocidade, carros e «curvas da estrada de Santos».

Na busca pelo pai do Duda temos um diálogo com uma produção brasileira bastante conhecida: Central do Brasil, de Walter Salles. No filme de 1998, Dora, uma «escrevedora de cartas», se aproxima de Josué, que após a morte da mãe deseja conhecer o pai, que mora a milhares de quilômetros do Rio de Janeiro. A estrada (desconhecida) passa a ser o fio de esperança para o encontro com o desconhecido, para a possível construção de uma nova história de vida (tentando amarrar passado, presente e futuro).

Podemos encontrar a fenda de esperança (e a marca da decepção) nascida com a estrada em Iracema - Uma Transa Amazônica (Jorge Bodanzky e Orlando Senna, 1976): a promessa de que a (recém-inaugurada à época) Rodovia Transamazônica fosse sinônimo de desenvolvimento e progresso para a região Norte do Brasil. E na história conhecemos articulações político-econômicas para o controle das estradas e terras, que enriquecem uma elite que finge ignorar a exploração do trabalho escravo, a prostituição como uma das poucas alternativas para muitas mulheres (algumas ainda adolescentes) e o desmatamento de florestas.

Bye Bye Brasil (Cacá Diegues, 1979) também segue viagem na Transamazônica, com um grupo de artistas mambembes acreditando que melhores oportunidades sempre estarão por vir na próxima cidade. De vilarejo em vilarejo, nos recantos mais humildes do país, os artistas agarram-se à expectativa do Lorde Cigano (José Wilker), de que a chegada à cidade paraense de Altamira significará nova sorte para eles. Quando a Caravana Rolidei segue um caminho diferente do novo propósito do acordeonista Ciço e de sua esposa, Dasdô, temos um conflito entre o partir ou o ficar, ambos alimentados pela esperança de melhores oportunidades.

Por fim, saindo um pouco dessa expectativa de novas oportunidades socioeconômicas, consideremos o filme Estrada para Ythaca, dos cearenses «Irmãos Pretti e Primos Parente», de 2010. Na película, o silêncio e a falta de indicadores de «para onde, quando e porque estamos indo» insere o espectador em uma viagem (ao lado dos atores-diretores) rumo ao suposto encontro de Júlio, um grande amigo já falecido (interpretado pelo cineasta juazeirense Ythallo Rodrigues).

A estrada é tomada como espaço vivo (e vivido) por cada sentido dos personagens, interagindo com bebidas, comidas, fogo, ventos, luz, escuridão, silêncio, barulhos (de poucos carros na estrada, de pássaros, de uma gaita). Algo que remeta à «vida prática» aparece, ironicamente (ou como o grande propósito disso tudo), em forma de metalinguagem, com o «personagem morto» reencenando a atuação de Glauber Rocha no filme Vento do Leste (Jean-Luc Godard, 1969), ao indicar na encruzilhada a opção pela «estrada para Ythaca» como um caminho para o cinema do terceiro mundo: «perigoso, divino e maravilhoso». Estradas «perigosas, divinas e maravilhosas» do cinema brasileiro.

Precisamos aqui fazer um recorte com alguns poucos filmes, mas tanto mais poderia se falar de Cinema, Aspirinas e Urubus (Marcelo Gomes, 2005), de O Caminho das Nuvens (Vicente Amorim, 2003) ou da grande trajetória (a pé) da família de retirantes em Vida Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), etc. E mesmo em produções estrangeiras recentes, temos o brasileiro Walter Salles dirigindo filmes como Diários de Motocicleta (2004) e, mais recentemente, o Na Estrada (2012), adaptação do romance On The Road, de Jack Kerouac.

As razões para essa «sina» do (cinema) brasileiro já seria assunto para outras páginas. Textos que possam vasculhar essa verve utópica de buscar sempre novas paisagens, conhecer novos personagens — seja por implicações sócio-econômicas ou pela pura sede de descoberta, na esperança de que a próxima parada seja a «terra prometida», a nova «Pasárgada». 
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Luís André Bezerra é doutor em Letras pela UFPB, professor do Curso de Letras da URCA e integrante da equipe do blog O Berro.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 14, de 11 de dezembro de 2013), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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