quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Poesia dialogada



por Amador Ribeiro Neto

Depois de selecionar 22 finalistas, o Prêmio Portugal Telecom 2014 anunciou os 4 “finalistas-finalíssimos”. Dentre eles três foram comentados nesta coluna: Ximerix de Zuca Sardan, Vozes de Ana Luísa Amaral e Observação do verão seguido de Fogo de Gastão Cruz

Guilherme Gontijo Flores (Brasília, 1984), mestre em Estudos Literários pela UFMG, tradutor, professor de Língua e Literatura Latina na UFPR, é autor do quarto livro selecionado: Brasa enganosa (São Paulo: Editora Patuá).

O livro é um belo volume de respeitáveis 160 páginas de poesia feita a partir de um deliberado projeto das mais variadas citações diretas e indiretas, de diferentes campos e códigos das artes. Este procedimento que poderia ser facilmente tomado como intertextualidade barata ou mera colagem, não o é. Antes: é um recurso de que o poeta se vale para reescrever a poesia atual em diálogo com a tradição e a poética de nosso tempo.

A cidade e Haroldo de Campos são duas das grandes referências desta poesia. A cidade com seus tentáculos avassaladores. Haroldo, pela linguagem poética e pelo mundo erudito que encerra.

Guilherme Gontijo Flores escreve com a exatidão de poucos. Seu livro é um tecido inconsútil da primeira à última página. Sem dúvida Brasa enganosa aponta para um talento que promete muito.

Sextilhas formadas por versos decassílabos heroicos e sáficos. Quintilhas octossílabas. Soneto petrarquiano. Versos livres. Caligrama. Etc. O poeta vale-se de vários recursos da versificação para fazer uma poesia que se pensa enquanto linguagem e enquanto tema da vida e sua representação.

Lidando tanto com fontes da literatura antiga, como da contemporânea, sua poesia vai de Catulo a Caetano Veloso, passando por Octavio Paz, Cortázar, Augusto de Campos, Leminski, Dante, Baudelaire, Drummond, Roberto Piva, Lezama Lima, Bandeira, Wallace Stevens, Cabral, Walt Whitman, Fernando Pessoa, Borges, Catulo, Safo, Horácio, Apollinaire, John Cage, Bob Dylan. Mas acima de tudo Haroldo de Campos.

A forma da poesia de Guilherme Gontijo Flores emociona pela leveza. Seduz pela serenidade. Encanta pela fluência.

“Daguerreótipos de cão” dialoga imagens em negativo de um cão, um meio cão, um quase cão e um não cão, com versos de intensa plasticidade e musicalidade verbais. Cabral é uma linha no horizonte do vasto quadro composto pelas quatro estrofes de parcimoniosos versos deste poema.

“Labirinto” mistura Borges e Augusto de Campos em 25 quintilhas octossílabas que podem ser lidas de forma intercambiável, como se o olho percorresse labirintos de um poema pop-barroco. O sentido transmuta-se numa cena de rápidas sequências verbo-visuais.

Além disto, as referências explícitas a Maliévitch, Godard, Degas, Cézanne e Picasso fazem ver que o poeta sabe usar as tintas da palavra na tela da poesia. 
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 10 de outubro de 2014, p. B-7.

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