quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Poesia, ritmo e riso



por Amador Ribeiro Neto

Ricardo Silvestrin (Porto Alegre, 1963), é poeta, contista, romancista e músico. Por cinco vezes foi contemplado com o Prêmio Açorianos de Literatura. Metal (Porto Alegre: Artes e Ofícios Editora) é finalista do Prêmio Portugal Telecom.

Fica claro ao ler este livro que ele busca a musicalidade bem como a espontaneidade da fala. Não só: ele sabe valer-se de recursos da poesia oriental e da concreta. E o faz muito bem.

No livro de estreia Viagem dos olhos (1985) já percebemos isto: “o jogo do pandeiro / nas mãos do sambista / quem é o instrumento / quem é o artista”. Lembra Valéry perguntando se existe a dança sem o dançarino.

Bashô um santo em mim (1988) começa numa síntese poética que brinca com o paradoxo: “poemas a esmo / introdução / a mim mesmo”. Quase eu (1992) segue no mesmo compasso: “praça grega / o poeta e a lira / a massa delira”. Palavra mágica (1994) vem recheado de haicais instigantes e iluminados: “luzes da cidade / e um céu de estrelas / só por vaidade”.

Em 2004 com ex, Peri, mental apresenta poemas feitos a partir de frases de jornais e revistas, num procedimento que paga tributo a Manuel Bandeira. Sem fazer feio. Há também uma série de poemas de um só verso. Alguns, convenhamos, desimportantes. Todavia, há poemas visuais de grande relevância. Um bom e belo livro.

O menos vendido possui 336 páginas de poesia vazada pelo humor de chistes, insights e ironias cáusticas. Poemas longos, quadras e poemas de um verso. Poesia de fina safra. E humor à vera.

No recente Metal, a desilusão, o desassossego, o desconforto e o ceticismo fazem-se presentes. Mas, repito, a ironia e o humor continuam dando o tom dos poemas numa fala cantada. Ou como bem anota Carlos Felipe Moisés no prefácio: “O tônus dominante do livro é marcado pelo espanto diante da vida que flui”.

Dividido em duas partes, toma na primeira a metalinguagem verbal como matéria de um único poema, subdivido em partes que têm autonomia entre si. Não é por menos que esta parte se intitula “A encosta recortada do poema”. E inicia-se com: “Não me pergunte pra que serve a arte”. E conclui: “pra que serve, / pra que a vida serviria?”. As pontas da arte e da vida e seu sentido postos em cheque.

Num tempo em que nossos poetas estão escrevendo sobre nada, a sabedoria de questionar a vida e arte é bem-vinda. Mas há também poemas desiguais aqui: “o perigo do amor / é o outro sumir / ao contrário / do que se pensa / ficar invisível / é mais simples / do que aparenta”. A rima é forçada. O trocadilho “invisível / aparenta”, frouxo.

Na segunda parte, intitulada “Acervo pessoal”, 42 poemas breves tomam a pintura como metalinguagem do ato de pintar, desenhar, fazer instalação, descrever ou narrar cenas de quadros. Boa parte delas, bem feita. Outra, negligente. Mereceria uma revisão com a calma dos livros anteriores.

O livro é bom. Mas considerando a produção de Ricardo Silvestrin, fica atrás.
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 26 de setembro de 2014, p. B-7.

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