terça-feira, 14 de outubro de 2014

'São Bernardo' (1972) e 'Eles Não Usam Black-tie' (1981): dois filmes políticos altamente humanos e belos



por Elvis Pinheiro

Dois filmes engajados de um diretor não alienado que trouxe com bastante dificuldade um romance e um texto teatral, respectivamente, para as telas de cinema: São Bernardo (1972) e Eles Não Usam Black-tie (1981), ambos do cineasta carioca Leon Hirszman.

O romance de Graciliano Ramos conta a história de Paulo Honório, fazendeiro que em determinado momento resolve escrever suas memórias para encontrar algum sentido em sua vida. Assim conhecemos sua transformação de homem pobre em capitalista inescrupuloso com gana sem limites para o acúmulo de bens. O encontro com Madalena, professora do interior, se dá como negócio. Mas o ser humano sensível não se entrega a posse sem afeto e confiança, e se suicida.

Leon Hirszman foi fiel ao texto original por várias razões: a censura estava no auge e o romance era já bastante famoso e representativo da literatura brasileira, por conta da captação de som direto e por filmar em uma única locação, filmou muitas cenas com a câmera parada, que dava maior dramaticidade teatral aos diálogos travados entre os personagens e ainda diminuía significativamente os custos de produção. A obra conseguiu em pleno período político que valorizava o acúmulo de riquezas sem a digna distribuição igualitária das mesmas, falar dos problemas engendrados por um espúrio capitalismo.

A peça de Gianfrancesco Guarnieri encontra um momento político no Brasil, no início dos anos 80, ideal para discutir suas questões de tomada de decisão e de engajamento nas causas sociais resultantes da opressão do operário pela classe burguesa, detentora dos meios de produção. Que rumos seguir? Uma vida individualista, cúmplice da exploração e da alienação do trabalhador ou uma vida de luta, de enfrentamento da classe trabalhadora contra o patrão explorador e violento? Com grandes atuações, entre elas a do próprio autor do texto, mais as de Fernanda Montenegro, de Carlos Alberto Riccelli, Francisco Milani, Milton Gonçalves, Bete Mendes e tantos outros, o filme foi o grande sucesso comercial e de crítica de seu diretor. Ganhador de inúmeros prêmios internacionais, entre eles o Leão de Ouro do Festival de Veneza.

Se São Bernardo levou a produtora do filme a decretar falência, o segundo deu fôlego novo ao seu realizador. As duas obras, no entanto, são de alto relevo e importância inquestionável do cinema nacional. Possuem atores vindos de carreiras sólidas no Teatro e, como o diretor, com ideias políticas de esquerda. Foram projetos nos quais toda a equipe se via envolvida ideológica, política e emocionalmente.

Eles Não Usam Black-tie apresenta pequenos núcleos familiares de operários de uma fábrica. Suas histórias e vidas se entrelaçam. Subtemas como o alcoolismo viram pano de fundo para outras questões como a da crescente violência nas favelas e do escape através do álcool por conta da situação sem perspectivas de crescimento do trabalhador. No núcleo principal, vemos o pai, líder sindical, capitaneando lutas contrapondo-se ao filho, jovem alienado que se vende ao sistema, traindo sua família e sua categoria e transformando-se em pelego destinado ao desterro.

Um e outro filme possuem a medida certa do entretenimento inteligente e envolvente, provando que a Arte pode construir obras que deixem os espectadores mais densos e reflexivos, depois do contato com a experiência estética. 
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Elvis Pinheiro é editor da Revista Sétima e professor. Desde 2003 é Mediador de Cinema no Cariri cearense.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 14, de 11 de dezembro de 2013), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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