segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Da importância dos festivais



por Elvis Pinheiro

Eu adoro ir ao cinema. Eu adoro ver filmes no cinema. Somente a terceira coisa que gosto é de ver filmes. É quase como dizer: eu adoro ir à Igreja. Eu adoro ouvir a homilia do Padre. Somente a terceira coisa que gosto é de ouvir sermões. Ou também: eu adoro ir a um bar com meus amigos. Eu adoro beber num bar. Somente a terceira coisa que eu gosto é de beber simplesmente.

Desde que comecei a organizar sessões de cinema, me deparei com a prerrogativa de que algum público deve haver nas sessões para que elas continuem existindo. É tipo eu saber que o filme é ótimo, mas isto não é o suficiente. Eu tenho que primeiro fazer com que as pessoas gostem de filmes, depois passem a gostar de ver filmes no cinema, para finalmente, passarem a gostar de Cinema.

Tem muita gente que acha que filme é besteira, é perda de tempo, é entretenimento de sétima ordem. As causas são inúmeras e todas justificadas. Se a pessoa conhece cinema a partir da associação com ver filme dublado na TV aberta, o que essa pessoa conhece de cinema são histórias banais, na maioria, vindas de um único país, cortadas por intervalos comerciais, deformadas pelo formato do monitor e tranquilamente interrompidas por ligações telefônicas, conversas com familiares e amigos e muito blábláblá durante a exibição. Realmente ver um filme, assim, é besteira, perda de tempo e um entretenimento de sétima ordem.

As coisas mudam de figura quando na cidade existe uma sala de cinema, seja no shopping, seja em qualquer outro lugar. A pessoa vai ter que sair de casa em determinado horário, pelo risco de encontrar outras pessoas, vai buscar se vestir um pouco melhor, irá possivelmente marcar com alguém em especial ou um grupo de amigos e se adaptará às regras de um novo ambiente. A relação com o filme deixou de ser desleixada e passou a ser formal. O filme pode até ter sido ruim, mas o evento “ir ao cinema” pode ter sido muito bom. Comentar com as pessoas sobre o filme que viu, observar as reações do restante da plateia durante a projeção, compartilhar simultaneamente uma experiência: tudo isso eleva a importância de ver um filme.

Depois que a pessoa se habitua a ir ao cinema, começa uma nova etapa em sua vida: qual a melhor sala, qual a melhor poltrona/lugar de cada sala, o gênero do filme ou o diretor ou o elenco começam a influenciar na escolha e na relação de prazer travada com o filme. Quando passamos a gostar de Cinema, passamos a não querermos ser interrompidos durante a exibição por camadas de celular (as suas e as alheias), por conversas (as suas e as alheias), mastigado de comida (a sua e a alheia) e tudo o que você irá almejar é um maior e mais profundo envolvimento com o filme que você se propôs assistir. Porque, finalmente, agora você entende que ir ao Cinema é, na verdade, ir para o ambiente construído mais adequadamente para que sua imersão no filme seja completa.

Claro – e muitos dirão isto! – que eu posso organizar uma sessão em minha casa e deixar o ambiente ideal para o filme. Mas isso aí já é coisa de cinéfilo que quando deixa tudo tão organizado, convida logo os amigos e no final das contas o que teremos é uma verdadeira sessão de cinema, só que organizada por você.

Toda vez que viajo, faço questão de ir ao cinema. Eu passo o ano inteiro convidando as pessoas para irem ao cinema, mas eu mesmo não vou a nenhuma sessão. Eu também sinto falta de pesquisar horários, escolher a sala, convidar um amigo e sair para ver um filme num ambiente pensado por outras pessoas.

As mostras de cinema são grandes eventos que potencializam a experiência cinematográfica. Muita gente termina a MOSTRA 21 transformando-se em cinéfila. Transformando-se em alguém que passa a adorar ir ao cinema e que desenvolve manias que só alguém que ame ir ao cinema desenvolve.

Em janeiro de 2014 vivemos a 6ª MOSTRA 21. Durante o ano inteiro organizo inúmeras pequenas outras mostras, mas esta pela dimensão, pelo tamanho, pelo formato consecutivo, gerou uma expectativa maior do público em relação a ela. Cada MOSTRA 21 serviu a um propósito, discutiu determinado tema, levantou determinada bandeira ou foi guiada por um lema. Na deste ano [janeiro de 2014] é a vez de conscientizarmo-nos de que o ar que respiramos e que nos dá vida, mais ainda neste novo século, é a Política. Daí o subtítulo Biosfera XXI: O Poder e o Capital.

Histórias dos filmes se mesclarão a histórias pessoais e particulares, muita coisa irá acontecer e o CINEMA será reverenciado, homenageado, trazido à categoria de Arte entre as demais e, mesmo que seja um entretenimento, será de primeira ordem.
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Elvis Pinheiro é editor da Revista Sétima e professor. Desde 2003 é Mediador de Cinema no Cariri cearense.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 15, de 15 de janeiro de 2014), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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