quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Poesia suave



por Amador Ribeiro Neto

André Luiz Cosme Ladeia nasceu no Rio em 1983. Suave como a morte (Guaratinguetá-SP: Editora Penalux, 2014) marca sua estreia em poesia. Tal como boa parte dos livros de estreia, este anuncia um poeta que, movido por boas intenções, alguns acertos e muitos erros, chega à publicação. Apressadamente. Um tempo a mais com o volume descansando na gaveta, estou certo, ajudaria na reorganização e reescritura dos poemas.

O livro busca ser uma grande reflexão sobre a vida, a morte e o tempo. Alguns dos títulos de cada uma das seis partes que o compõem apontam para este desejo de abarcar o mundo, suas entranhas e seus aléns. Como exemplificação cito o título da parte I: “O tempo, a Terra, o Homem e a Morte”. Em nove páginas o poeta acredita ter dado conta da amplitude de seu tema. Não conseguiu. Também pudera: quem o conseguiria?

Em todo caso, o melhor poema é aquele que abre o livro. E, não à-toa, transcrito na quarta capa do volume. Chama-se “Nascimento”. Cito-o: “Quando nasci / A morte / Veio me visitar / E me presenteou / Com seu relógio negro // O coveiro que fez meu parto / Me benzeu / E depois / Começou a preparar a minha lápide // As bailarinas dançavam / Com a morte / Ao som de uma música lúgubre // Os sinos badalaram / Para comemorar o início / Do meu enterro”.

A imagem da morte contida no nascimento não é nova. Mas o poeta soube trabalhar esta inversão escapando do clichê: o parteiro é o coveiro e os sinos badalam, não pelo batizado, mas pelo enterro. Este espelhar de imagens deveria ser mais explorado por André Luiz Cosme Ladeia. Inda mais considerando-se que uma das imagens recorrentes no livro é a do espelho. Tanto o objeto em si quanto a sua reverberação figurada.

Outra constate no livro é a da ideia de nunca ter-se tido aquilo que se perdeu. Aparece nos poemas “Saudade”, “Raízes” e “Ato II”. Da mesma forma, tal imagem deve ser melhor trabalhada.  Ao menos para evitar-se a previsibilidade de versos como “A saudade que fica / É a de quem fica / Quem vai já não a tem mais / Liberdade é tudo”. Ou: “Por mais que / Nenhum deles me pertença / Não se pode deixar / O que não se deixa”. Ou: “E a lembrança é tudo aquilo / Que se eterniza na memória / Daquilo que  já se passou / Regozijamo-nos com o que já não existe”.

Fazer poesia com tom de reflexão é uma escolha delicada. O texto poético, por si, comunica dentro um vasto leque polissêmico. A dita “comunicação poética” é uma forma singular de uso da linguagem, uma vez que a função didática é vazada pela dinâmica de som e sentido, como bem observa o semioticista russo Roman Jakobson.

Em Suave como a morte, é evidente a tentativa de fazer poesia a partir de ideias. Isto é legítimo. A dificuldade está na pulverização da melodia e da imagética em prol de um discurso de máximas vulgarizadas pelas formulações que beiram o óbvio. Como nos versos: “Que vida miserável! / Não poder olhar para o céu e ver o sol! / Vê-lo sorrir...”. André Luiz Cosme Ladeia deixa entrever que leva jeito para a poesia. Faltou-lhe tempo de maturação. Além de leitura de poesia e teoria. Aguardamos seu novo livro. 
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 31 de outubro de 2014, p. B-7.

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