sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Drones acéfalos



por Wellington Bringel

Esse texto não é psicografado. Não foi ditado pelo espírito George Orwell. Estamos agora no ano de 2084, cem anos à frente do que Orwell imaginou em seu brilhante 1984. Finalmente a política brasileira foi saneada, depurada, assepsiada. Não existe mais corrupção no Brasil. Só que não foi fácil conseguir isso. Devemos tudo aos americanos do norte. Nós brasileiros jamais conseguiríamos fazer esse trabalho.

O mundo de hoje, em 2084, está muito diferente de outrora. Há uma nova ordem mundial vigente. Tudo começou quando os extremistas islâmicos deflagraram a Jihad Global, nos anos trinta deste século. Os islâmicos chegaram a dominar quase todo o Oriente. Conseguiram, inclusive, expulsar os judeus pelo mar adentro. Só que eles cometeram um erro primário. Resolveram invadir a China. Os chineses, evidentemente, não acharam graça nenhuma nesse negócio de ter que rezar toda tarde de joelhos e virados pra Meca. Os chineses ofereceram uma feroz e obstinada resistência. Depois de muitos anos de sangrentas batalhas, os muçulmanos foram perdendo as forças. Eles mataram mais de dois bilhões de chineses. Eu falei mais de DOIS BILHÕES. O problema é que ainda restavam mais dois bilhões de chineses de reserva e os islâmicos já tinham esgotado todos os seus quadros. Deu China na cabeça.

Pelo lado ocidental os Estados Unidos apenas consolidaram uma liderança natural que já exerciam.

Então a nova ordem mundial ficou bem definida. Os chineses dominam o Oriente e os Estados Unidos dominam o Ocidente, cabendo à Turquia, como sempre, o desagradável lugar de separar os dois mundos. Do outro lado do globo a fronteira é a ilha de Midway, bem no meio do Oceano Pacífico.

Exercendo seu domínio no lado ocidental, os Estados Unidos passaram a fazer as coisas a sua maneira. Aqui no Brasil, por exemplo, eles trataram logo de resolver o que havia de mais problemático. Eles detectaram que o grande problema do nosso país era um grupo formado pelos partidos, a classe política, e um conglomerado de empreiteiras, megaempresários e chefões do mercado financeiro (leia-se banqueiros). Os americanos perceberam que essa turma era a responsável pela nossa endêmica corrupção. Os americanos, pragmáticos como sempre, construíram dez super presídios na Ilha de Marajó, com capacidade para milhares de "hóspedes", e colocaram toda essa corja atrás das grades. Para garantir que a corrupção não voltasse, os americanos criaram uma nova maneira de administrar o Brasil. Toda organização administrativa do Brasil passou a ser exercida por robôs de última geração. Os yankees tentaram primeiro desenvolver uma geração de cyborgs mas, como eles tinham uma parte orgânica, o potente vírus da corrupção brasileira (corruptus-brasilis) infestou a todos. Os yankees então vieram com os robôs, equipados com potentíssimos antivírus de corrupção, e conseguiram o seu intento fazendo tudo funcionar direito nos três poderes centrados em Brasília.

E agora estamos aqui, vivendo nessa nação saneada. Um dos meus passatempos preferidos é ficar observando os milhões de drones que os americanos espalharam no nosso céu azul, para vigiar o povo. Eles também tiveram que aperfeiçoar a primeira geração de drones. A primeira geração de drones tinha um problema de fragilidade e estava sendo derrubado pelos traficantes nas favelas (pois é, com esses aí nem os americanos conseguiram acabar). Mas a segunda geração de drones corrigiu isso. Os novos drones são imunes a impactos de alto calibre. Só que os novos drones não são cem por cento indestrutíveis. Eu mesmo descobri isso. Aliás, acabei de derrubar um. Sempre gostei de brincar refletindo, com um espelho, a luz do sol nas pessoas e objetos. Peguei um espelho, refleti a luz do sol na direção de um drone e... pimba... ele caiu. Fui até ele, peguei o bicho e de repente comecei a ouvir uma gravação: "esse drone se autodestruirá em dez segundos". Então comecei a ouvir uns bips ritmados contado os segundos bip bip bip bip...

Bip bip bip... eu acordei com o toquezinho do meu despertador. Eu estava era sonhando com tudo isso e fui acordado pelos bips. Me levantei, bebi água e liguei aTV. Na Globo News estava passando uma reportagem falando a respeito da instalação de uma nova CPI para investigar gravíssimas denúncias envolvendo o uso dos valores que financiam campanhas eleitorais.
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Wellington Bringel é bancário e escreve por passatempo.

Ilustração: Reginaldo Farias.

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