quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Poesia do enredamento



por Amador Ribeiro Neto

Alexandre Guarnieri (Rio, 1974) é Mestre em Tecnologia da Imagem pela Escola de Comunicação da UFRJ e arte-educador. Um dos editores da prestigiosa revista eletrônica Mallarmargens. Estreia na poesia com Casa das Máquinas (Rio de Janeiro: Editora da Palavra), num belo projeto gráfico que faz jus à formação do poeta.

No entanto, enganam-se os que supõem ser a imagem a força de sua poesia. Não é. Ainda que presente, junto a um elaborado jogo de sonoridades, é o elogio da ideia que perpassa o livro enquanto dominante.

E aí reside um dos grandes méritos de Alexandre Guarnieri: aventurar-se pelo enredado universo temático, tomando-o como matéria da produção de sua poesia. Não é fácil, mesmo para poetas veteranos, a confecção de uma obra monotemática. Mas se o tema é uno, o poeta sabe extrair dele várias nuances, assegurando ao livro uma multiplicidade de enfoques.

O que poderia resultar em redundância ou repetição converte-se num procedimento lúdico de lidar com as peças da poesia-máquina. O poeta flerta com o futurismo, embrenha-se em engrenagens, tal como o operário chapliniano, mas sabe que a linguagem da poesia é sua ferramenta de trabalho. Por isto sua poesia é inventividade, concentração em alta voltagem crítica. E metalinguagem par excellence.

No campo das intertextualidades, o poeta deslinda-se em várias e longas epígrafes, a ponto de sua poesia ser obstinada conversa entre homens da palavra. Nem sempre os escolhidos são nomes significativos no campo da poesia. Todavia, não há como negar que os poemas, ou fragmentos citados, têm qualidade estética. E desempenham a contento a função de propulsores de novos motores do poema.

Há Francis Ponge. Uma presença marcante. Ao lado de João Cabral. Mas vem de Haroldo de Campos a mais contundente influência. Na elaboração da linguagem. Na facilidade ao criar palavras novas. No apuro de desentranhar outras do uso coloquial ou técnico. E aí Alexandre Guarnieri sabe ser aquele que aponta para os mestres, e deles se vale para o salto qualitativo de uma poesia que já nasce com fortes tintas do que todos almejam: a marca pessoal.

A identidade desta poesia, em livro de estreia, faz-nos concluir que estamos diante de um poeta forte. Não apenas promissor, já que sua poesia nasce madura. Antes: Alexandre Guarnieri é poeta daqueles da estirpe do aço inox. Dos que lidam com a matéria bruta da palavra dobrando-a a duros golpes. Anos-luz distante do papel alumínio que forja a máscara de grande parte da “galera” de sua geração.

Casa das máquinas nos traz um poeta que conhece a história da poesia. Da nossa poesia. E da poesia francesa, em especial. Além de Ponge, um toque de Baudelaire e outro de Mallarmé está na apreensão do real e no seu correlato na produção de uma linguagem objetiva. Está nos meandros de uma sintaxe que apropria-se da contiguidade da lógica. E a detona em  poeticidade sem acasos: flores-parafusos.

Casa das máquinas é uma só engrenagem, montada sob engenhosidade única. O leitor exigente tem diante de si um admirabilíssimo livro de poesia. Alexandre Guarnieri estreia sólido, seguro, altivo. 
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 28 de novembro de 2014, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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