quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Poesia do esqueite



por Amador Ribeiro Neto

Certa feita João Cabral declarou que “duas atitudes, uma objetiva e outra subjetiva” norteiam os poetas modernos: “a necessidade de captar mais completamente os matizes sutis, cambiantes, inefáveis de sua expressão pessoal” e “o desejo de apreender melhor as ressonâncias das múltiplas e complexas aparências da vida moderna”.

Ao ler grande parte da poesia produzida hoje indago-me se o poeta ainda assinaria esta distinção. Sim, porque para ele, em ambas, há uma busca consciente do “espírito de pesquisa formal”. E o que constatamos hoje, com raríssimas exceções, é um amontoado de manifestações irresponsáveis e inconsequentes. Qualquer trocadilho, qualquer expressão espontânea, qualquer conjunto de anáforas é tomado como poesia.

É preciso ter claro: poesia não se confunde com massificação de expressão. Não é comunicação barata. O poeta, sem compromisso com o mercado, deslinda-se em aventuras no mundo dos experimentos, sempre em busca da melhor expressividade. Não importa que isto custe-lhe anos de pesquisa e espera. Poesia não tem tempo. Melhor: requer todo o tempo do mundo para ser devidamente feita e apreciada.

Paulo Scott (Porto Alegre, 1966) é poeta, contista, romancista, ex-advogado e ex-esqueitista. Seus livros de poesia: Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimentos dos monstros (2001), A timidez do monstro (2006), O monstro e o minotauro (2010) e Mesmo sem dinheiro comprei um esqueite novo (São Paulo: Companhia das Letras, 2014). Este, vencedor do prêmio APCA de poesia 2014.

Duas coisas incompreensíveis para um leitor de poesia: o prêmio APCA e as orelhas de seu mais recente livro, assinadas por Paulo Henriques Britto. Num ano de tantos livros de qualidade, a premiação de Paulo Scott é um nó górdio. Inexplicável para quem toma a poesia como produto de linguagem. E não meramente produto para o sucesso do mercado editorial.

Outra coisa: nada justifica isto: “Neste livro, Paulo Scott deixa bem claro ter plena consciência do que se exige de sua geração, surgida num momento em que, pela primeira vez, após bem mais de meio século, cada poeta tem de construir sua própria linguagem a partir de um legado diversificado e acachapante, sem as rotas de percurso alternativas que balizaram, para o bem e para o mal, aqueles que o antecederam. É esse o desafio que ele enfrenta, com segurança”.

Depois de ler o que nos lembra João Cabral, Paulo Henriques Britto faz tempestade em copo d’ água. Por pouco. Por quase nada. Afinal, Paulo Scott não convence. Patina na mesmice da poesia neomarginal. Considere “Talvez uma carta”, do poema que abre o livro: “preciso anotar que nunca / se está velho demais / preciso reencontrar a boa forma // estamos hipnotizados / querendo ser djs e radialistas / dramaturgos e cineastas // nós deveríamos ser a esperança / - que geração ridícula esta / que jurou jamais prometer / o que não pudesse cumprir”.

Aqui e ali escapa um poema menos óbvio, vazado pela ironia. “Exaustão sete”: “primeira turma de musculação / quinze pras sete da manhã // estranho e pontual, cumprimenta / as senhoras // usa os aparelhos / que estão mais perto das janelas // uma delas sorri / outras avisam que trocarão de horário // durante os abdominais ele adormece”.

Como vê, leitor, a poesia de Paulo Scott pede boa vontade. Paciência.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 16 de janeiro de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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