quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Poesia meio sim, meio não



por Amador Ribeiro Neto

Paulo Lima (Aracaju, 1961) é jornalista e editor da revista eletrônica Balaio de Notícias. Estreia na poesia com Falsa paisagem (2013). Este ano lançou dois livros: Abre alas, microcontos carnavalescos. Na verdade, 100 tercetos. Alguns com levada haicaísta. E o livro de poemas Dicionário de nuvens. Todas as três obras pela Editora Penalux de Guaratinguetá-SP.

Poemas do livro de estreia: “limite”: “suas certezas de scholar / não resistiram a uma / proposta em dólar”. Ingênuo, repete o lugar comum contra a intelectualidade humanística. “Luta de classes”: “socialista convicto / nada o demove // brioche ou love / tudo a um nove nove”. Novamente uma simplória crítica social. Mas é feliz nas irônicas intertextualidades das três estrofes de “desejo”: “I. hoje / queria ser   um poeta simbolista // e num cabaret de paris / afogar as mágoas / com uma meretriz// II. hoje / queria ser / um poeta cubofuturista // escrever loas à revolução / e morrer de amor / por uma moscovita // III. hoje / queria ser / um poeta maldito // desafiar as convenções / e pedir em namoro / a olívia palito”. Anárquica irreverência.

Em Abre alas os versos, ou as frases, são abruptos cortes cinematográficos. Pena que quase sempre desgastados por clichês: “Meteu a mão. / Namorado por perto. / Três tiros”. Outro: “Folia sozinha. / Mãe bem que avisou. / Menina, nove meses depois”. Porém há os bem sucedidos, como este com toque à la Eisenstein, via Oswald: “Axé em alto volume. / Satisfação com o vizinho. / Cinco dentes quebrados”.

Dicionário de nuvens, recém lançado, faz bom uso da semântica das novas mídias. A ironia e a paródia vazam este livro, tal como nos anteriores. Redondilhas casam-se com colagens e enumerações. Poemas longos justapõem-se a outros formados por apenas dois versos. Aqui Paulo Lima busca várias formas de expressão poética, como se ele quisesse vencer o minimalismo dos tercetos, dominantes em suas publicações anteriores.

Pena que, mais uma vez, a forma não dê conta do recado. Ela, por si, nada informa. Forma informa aliada a uma ideia apresentada de modo novo, de modo singular, de modo particular. Afinal, se o poeta não se vale da linguagem em sentido estrito do termo, o que é a poesia? E exatamente pelo fato de a poesia ser, historicamente falando, uma arte para poucos, uma arte despreocupada com o retorno rentável do mercado, é que o poeta pode e deve esbaldar-se nas várias modalidades da linguagem poética.

Dizer o mesmo mas de novo modo. O semioticista Chklóvski já nos disse isto há décadas e décadas. Mas parece que é pouco ouvido. Hoje a moda parece ser fazer poesia ao correr da emoção, ou das teclas do computador. Escreve-se à mancheia. Isto é bom. Sem dúvida. Pena que esta abundância produtiva não represente qualidade literária.

Dicionário de nuvens parece ter sido escrito com gana de publicação imediata. Até erros de revisão existem. Isto é imperdoável em se tratando de poesia. Um poema estruturado em cima de quadras não pode ter duas quadras emendadas por mero descuido. Assim como palavras não podem ser digitadas erradamente. Isto compromete totalmente o poema.

Ao escrever “à maneira de William Carlos Williams”, como diz, Paulo Lima compromete o poeta norte-americano: “tanta coisa depende / de um // cartãozinho de crédito / não importa a cor // com o limite / recheado // na minha carteira / amarfanhada”. Pois é: Paulo Lima: poesia meio sim, meio não. É preciso ter calma. Talvez os 3 livros pudessem render um único. Sólido. Bem estruturado. Revelando o melhor que o poeta tem. E que se rarefez.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 09 de janeiro de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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