quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O Poderoso Chefão



por Yhago Shalys

"Por trás de toda grande fortuna há um crime" (Balzac)

E o que há por trás de um crime? Itália, Sicília, 1901: o pequeno Vito Antonio Antolini é vítima de descasos por parte de um chefe da máfia siciliana, fazendo-o fugir em um navio de imigrantes para os Estados Unidos. Vivendo por longo tempo ao norte da América até conseguir por fim construir seu grandioso império e receber o título de ‘Don’ da família.

Don Vito Corleone: um sujeito que todos iam ao seu encontro em busca de auxílio, pois jamais eram desapontados. Ele não fazia promessas vazias, nem ao menos usava de desculpas covardes das quais apontavam que existiam forças maiores do que a dele que o impediam de realizar algo. E o mais importante: não importava se era um amigo ou um desconhecido que lhe pedia favores, ou muito menos se o sujeito não tinha como lhe pagar o favor adquirido. A amizade, o respeito ao ‘Don’, por vezes a saudação carinhosa de «Padrinho», era o que mais lhe importava. Talvez, por demonstração de respeito, um presente humilde. Situando-se assim apenas formas de proclamar que o indivíduo possuía uma dívida para com o Don e que o mesmo poderia convocar-lhe, a qualquer momento, para saldar a dívida por meio de pequenos serviços.

Tal trama, vivenciada nas décadas de 40 e 50, é fruto do romance de Mario Puzo, que se encontrava subindo em sua carreira quando começou a escrever o que seria um grande best-seller. Contrariamente a Mario Puzo, Francis Ford Coppola encontrava-se no início desconhecido de sua carreira, quando conseguiu assumir a direção da grande adaptação do romance para o cinema. Lendo e relendo o livro várias vezes, Coppola cada vez que o fazia acabava adicionando dezenas de notas de rodapé para direcionar seu filme. Porém, seu primeiro grande problema foi na escolha dos atores, pois já tinha alguns em mente, como o excêntrico Marlon Brando para o papel de Vito Corleone, mas a produtora Paramount Pictures não aceitava, sob qualquer hipótese, Brando nesse grandioso papel (o mesmo já era conhecido por sua rebeldia e por estar sempre atrasado).

O que então esperar de Al Pacino para o papel de Michael Corleone (terceiro filho de Vito Corleone), que até então não passava de um desconhecido ator de teatro?! Os produtores então pediram que fossem feitos vários testes, dentre eles Robert Redford, Robert de Niro, Martin Sheen, James Caan (que ficou com o papel de Sony Corleone, filho mais velho de Vito Corleone), entre vários outros. Entretanto, para Coppola, Al Pacino era o único que se encaixava perfeitamente no papel, até que por fim conseguiu convencer e vencer pelo cansaço os produtores que deram o papel a Al Pacino. Com Marlon Brando, Coppola fez promessas de que o mesmo trabalharia sério e compromissado com o projeto. Aceito para o papel, Brando teve a ideia genial de acrescentar ao personagem as próteses nas bochechas e a voz arrastada que foram imortalizadas.

Com a ajuda de vários amigos, entre eles George Lucas, Coppola começou as gravações. Encontrando vários problemas, ele acaba por ser demitido várias vezes. Dentre uma dessas demissões aproveitou para refazer algumas cenas e acabou convencendo os produtores de que seria capaz de dirigir o filme. Uma das reviravoltas épicas foi a desaprovação da violência por parte de Coppola, o que acabou incorporando elementos geniais em cenas violentas, como por exemplo, laranjas rolando pelo asfalto durante um tiroteio, um pé atravessando o para-brisa durante um estrangulamento, entre outras sacadas inteligentes.

Marcando o fim da era clássica de Hollywood e o nascer da era dos megafilmes, a megaprodução foi dividida em três partes, tendo a primeira o título: O Poderoso Chefão (The Godfather, no original). A primeira parte relata o começo da era Corleone, sob o comando do respeitado Don Corleone em conflito com outras famílias e ‘Dons’. O filme mostra em detalhes como os negócios são gerenciados com a ajuda dos capos (generais da máfia) e de seu consigliere (conselheiro). O longa teve enorme aceitação da crítica e acabou rendendo três Oscar – Melhor Filme; Melhor Roteiro e Melhor Ator (Marlon Brando, que se recusou a receber o prêmio pelo fato de odiar Hollywood, mandando uma indígena receber o prêmio em seu lugar. A mesma fez um discurso sobre o descaso de Hollywood para com os nativos americanos; discurso esse que ficará para sempre cravado na historia da humanidade).

Com tamanha aceitação, fez-se com que Coppola, com a ajuda de Mario Puzo, continuasse na direção e controle total do segundo longa: O Poderoso Chefão Parte II (The Godfather Part II, no original). O filme relata duas histórias paralelamente: a continuação de O Poderoso Chefão, com um Michael mais firme e já envolvido totalmente nos negócios da família, além da atuação dos membros da família na expansão do seu império na costa leste dos Estados Unidos. Em paralelo é contada a história de Vito Andolini (interpretado por Robert de Niro): desde a sua infância até como conseguiu construir seu império, com a ajuda de seu sócio Clemenza. Mostrando exuberantes tomadas gravadas na Sicília e a chegada dos imigrantes italianos a Nova York, o filme possui saltos perfeitos nas reconstituições de época, recriando um cenário romântico da América no começo do século XX. Esta segunda parte acabou por arrecadar alguns prêmios dentre eles os Oscar: Melhor Filme; Melhor Diretor; Melhor Roteiro Adaptado (Francis Coppola e Mario Puzo);  Melhor Direção de Arte (Dean Tavoularis, Angelo P. Graham e George R. Nelson) e Melhor Trilha Sonora (Nino Rota e Carmine Coppola).

Mario Puzo e Francis Coppola reencontram-se dezesseis anos depois para dar continuidade ao que seria O Poderoso Chefão Parte III (The Godfather Part III, no original). Al Pacino, que antes era uma figura descartada, carrega praticamente o filme em suas costas, enquanto que seu personagem nessa terceira parte encontra-se em busca de redenção por todos os seus atos, tentando contar com a ajuda da Igreja Católica e do próprio Papa para conseguir seus objetivos. A terceira parte não deixa de ter cenas memoráveis, que só podem ser reveladas aos olhos de quem se deslumbra com tais imagens.

Toda a produção acabou por se imortalizar na história do cinema, deixando um legado e adentrando na cultura popular com frases de efeito como “Luca Brasi dorme com os peixes” e “faça uma oferta que ele não possa recusar”. Exaltado também pela fotografia exuberante de Gordon Willis, que usa de técnicas fabulosas, como quando usa da fotografia para ocultar um lado da face de Michael Corleone, na cena em que o mesmo interroga seu cunhado Carlo, enquanto exaltava a outra face na qual recebeu um soco, demonstrando o seu lado Corleone, seu lado perverso que estava vindo à tona quanto mais se envolvia com os negócios da família. Além da magnífica trilha sonora de Nino Rota, que deu uma ambientação gangster certeira. Tão certeira que poderia ser tocada em uma missa que todo o ambiente mudaria para uma ‘tessitura gangster’. Se algum conservador se sentiu aborrecido com esta última analogia, aqui vai um conselho do grande Don Corleone: “nunca se aborreça. Nunca faça uma ameaça. Argumente com as pessoas”. 
____


Yhago Shalys é músico, poeta, colecionador e estudante de Psicologia.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 17, de 09 de abril de 2014), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário