quinta-feira, 7 de maio de 2015

Ondas curtas



por Amador Ribeiro Neto

Alcides Villaça (Atibaia, 1946) cursou Letras na USP, onde é professor de Literatura Brasileira. É autor do livro de ensaios Passos de Drummond (2006). Em poesia publicou O tempo e outros remorsos (1975), Viagem de trem (1988) e o infantil O invisível (2011). Ondas curtas (São Paulo: Cosac Naify, 2014) é seu mais recente livro.

Sobre o volume de estreia, Alfredo Bosi observou: “Uma palavra edificada sobre desvãos, a de Alcides Villaça. Condição que lembra Drummond”. Lembra demais. Este é o problema. Uma poesia colada no mestre. Vejamos: “O tempo chega em torturas / vizinhas. / Sem aviso algum, sem noção de tempo / toma conta de nós nos mini-desconfortos, / na varanda sem sombra, no terraço sem sol, / no mercado sem frutas, na partida sem gols”. É bom ser aluno do Mestre. Mas é preciso esquecê-lo para ser um poeta autônomo. Isto ele não consegue.

João Luiz Lafetá anota nas orelhas de Viagem de trem que Alcides Villaça encara os modernistas e safa-se bem pois recusa-se às simplificações e suprime “a suposta radicalização experimentalista e o amaneiramento do coloquial sem profundidade”. As palavras são gentis mas não correspondem à poesia deste volume. Nem do poeta até então.

O experimentalismo de linguagem nunca esteve entre as metas de Villaça. Já o coloquial, ele nunca atingiu com a leveza de um Bandeira, que imita descaradamente em “Matiné”: “Madalena era tão grave com duas tranças // recusou minha mão no cinema embora o combinado / e seu vestido branco fosse para mim // há quem ache melosas as fotos amarelas, / não são, proustianas madalenas / guerrilham e sangram sob o leve organdi”. Ter Bandeira no horizonte é bom. Mas é preciso escrever com mão leve.

Em O invisível, o projeto gráfico de Andrés Sandoval insere folhas transparentes de acetato vermelho para comentar o tema do livro. As ilustrações, também de Andrés, sabiamente localizam-se no limite entre o referente concreto e a possível interpretação. O livro é formado por um só poema, feliz nas imagens, no toque de humor e na displicência que permite que o poético se manifeste com grande beleza lírica. Um bom livro.

Em Ondas curtas o poeta erra a mão de ponta a ponta. Erra quando quer ser engraçadinho. E só consegue ser ingênuo numa linguagem de clichês adolescentes. É o caso do poema “Erótica sintética pedagógica poética vanguardística”, desde o título uma grande bobagem. Eis o poema: “língua / língua / língua // e / meta / linguagem // (titica / titica / titica)”. Tenha dó, professor, assim não dá. O poema, sim, é uma metatititca.

Em “Segredos” ele toma o pior do Mário de Andrade poeta. E o resultado só podia ser desastroso: “Quando foi que demoliram o Conservatório Musical de Campinas? // Só hoje dei com o edifício novo / com a escada de mármore falso / com as duas velhas palmeiras / verdes quando verdadeiras / cumprindo nova missão”. Esta falsa naturalidade, chupada dos modernistas sem nenhuma reciclagem, remete o leitor à poesia neomarginal das Angélicas Freitas, Brunas Bebers, Alices Sant’Annas e afins.

Lamentável que alguém escreva coisas deste tipo. Pior: na orelha, Fernando Paixão, que nada entende de poesia, pois não é ensaísta nem poeta, proclama que Alcides Villaça “acumula extensa trajetória de leitura, ensino e vida – mas publica pouco por opção e rigor”.

De fato há algo de bom neste dito poeta: publica pouco. Ainda bem. Mas não por rigor ou algo que o valha. Não sei o motivo. Mas agradeço aos deuses e diabos por esta parcimônia. 
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 30 de abril de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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