quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Sonetos de Campos



por Amador Ribeiro Neto

Glauco Mattoso (São Paulo, 1951) cursou Biblioteconomia na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e Letras Vernáculas na USP. É autor de extensa produção que inclui poesia, conto, romance, crônica e ensaio. Sua poesia é normalmente dividida em duas fases: a visual, de 1970 até fins da década de 80, e a cega, de 1995 até os dias de hoje. A primeira fase incorpora elementos da vanguarda, do universo underground e da poesia concreta. A segunda é composta por sonetos e glosas. Em ambas, a irreverência crítico-criativa de uma obra que é desestruturadora, desconstrutiva e desnorteante, graças a seu alto grau de irreverência e inventividade. Tanto temáticas como formais.

Glauco Mattoso é um dos nomes mais significativos da poesia brasileira contemporânea. Sua obra, corrosiva e dilacerante, toma as partes baixas do corpo como centro de uma poética que se constrói enquanto vetor de prazer libidinoso.

Ele fez uso da palavra nas dimensões gráfico-espaciais, datilografando poemas visuais numa máquina de escrever. Conseguiu proezas que, mesmo na era da computação, impressionam pelo requinte dos resultados visuais e formais. Hoje, cego, continua explorando a dimensão sonora e semântica da palavra, agora dentro de poemas rigorosamente versificados. Seu zelo pela forma fixa do poema levou-o a redigir um singular tratado de versificação, imprescindível a quem queira reciclar suas informações sobre as técnicas do poema.

Entre 1977 e 1981 Glauco Mattoso publica, em folhas soltas, espalhadas por diferentes pontos da capital paulista, o Jornal Dobrabil, fanzine anarco-poético, depois lançado, em edição fac-similar, pela Editora Iluminuras.

Atualmente o poeta desenvolve novo projeto: dialogar com sonetos de grandes nomes da poesia brasileira e portuguesa. Foram publicados: Sonetos de Boccagem, Sonetos de Pessoa, Sonetos de Bandeira, Sonetos de Anjos, Sonetos de Moraes. Acaba de lançar Sonetos de Campos (São Paulo: Lumme Editor, 2015).

O livro é dividido em duas partes: “1. de futebol”, “2. de batalha”. Compreende-se que os campos são, pois, estes dois. E onde fica Augusto de Campos? Num horizonte apenas entrevisto. Talvez, na associação com o poema “brazilian football”. E a partir daí Glauco deriva para os elementos que integram o jogo e seus universos: a tensa atuação dos jogadores, a angústia dos juízes, as investidas das marias chuteiras, etc. Na segunda parte estão os poemas que versam sobre os campos de batalha, em sentido bélico propriamente dito. E em sentido figurado: no embate entre casais.

Cito as duas quadras iniciais de dois sonetos, lembrando que Glauco Mattoso não acatou a recente mudança ortográfica. Preferiu recorrer à primeira reforma, de 1943. Assim, a grafia de seus poemas ganha um toque de velhos tempos, associado à contemporaneidade mais antenada. “Para um jogo bruto”, soneto da primeira parte: “Zagueiro violento, elle é batata: / carrinhos dá por traz, empurra, soca.../ Feliz foi o chronista que o retracta: / “pega, em cada enxadada,  uma  minhoca”. // Si falha a marcação com que combatta / um optimo attaccante, elle já troca / o jogo limpo pelo pau da patta... / Quem é que, à sua frente, não pipoca?”.

Da segunda parte cito “Um pesadelo americano”: “Pegaram o Bin Laden! Finalmente! / Só falta o Bush, agora! Ja pensaram? / Está tranquillo em casa e la chegaram / as tropas musulmanas, de repente! // Cercada a casa, George nota, à frente, / dos homens, um dos filhos que juraram / vingança para Osama! Elles disparam / e attingem George em cheio, a sangue quente!”.

Glauco Mattoso, nosso poeta de verve sátira e provocante. Simplesmente genial. 
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 14 de agosto de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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