sábado, 19 de setembro de 2015

Cordel ‘O terrível massacre do Caldeirão do beato Zé Lourenço’



Embalado pra viagem # 132

Cordel O Terrível Massacre do Caldeirão do Beato Zé Lourenço
Autor: Geraldo Amancio
Composição dos versos: março de 2000
Editado pela Coleção Centenário - Cordéis Clássicos
Xilogravura da capa (Editora IMEPH, 2012): C. V.
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Para os que não têm acesso
Ao livro, a história, o fato
Nesse pequeno cordel
Tento fazer um relato
Do mundo místico e tenso
Do beato Zé Lourenço
E o Caldeirão do beato.

Nessa pátria dos sem-terra,
Sem emprego e sem morada,
A massa pobre foi sempre
Excluída e explorada
Quando o beato existia
Nesse tempo já havia
A multidão dos sem nada.

Antes que o Caldeirão fosse
Habitado por José
Multidões de miseráveis
Varavam o sertão a pé
Camponeses deserdados
Pra Juazeiro levados
Pela fome e pela fé.

Quando a igreja Romana
Só atendia ao burguês
Pelos pobres, padre Cícero
Fazia o que ninguém fez
Acolhendo penitentes
Dando assistência aos carentes
Ouvindo a voz dos sem vez.

Bocas vazias de pão
Almas de esperança cheia
“Ó que caminho tão longe
Cheio de pedras e areia
(Diz o povo em rebuliço)
Valei-me meu padim Ciço
E a mãe de Deus das candeia”.

Foi ouvindo esses benditos
Esse coro de orações
Que Zé Lourenço deixou
A sua terra Pilões
Se tornou também romeiro
Se mudou pra Juazeiro
O templo das conversões.

Zé Lourenço era campônio
Homem da roça e do mato
Por isso é que Padre Cícero
Encarregou o beato
Pra cuidar de terra e planta
Da fazenda Baixa Danta
No município do Crato.

Cristãos de todos os tipos
No sítio eram acolhidos
Famintos, escorraçados,
Órfãos, damas sem maridos,
Romeiros de fé castiça,
Foragidos da justiça,
Jagunços arrependidos.

Padre Cícero ensinava
Conversão, perdão e paz.
Dizia nos seus sermões
Àqueles pobres mortais:
“Cada um ouça e perceba
Quem bebeu nunca mais beba
Quem matou não mate mais.”

E eis que aquele rebanho
De toda espécie de gente
Ouvia e obedecia
Rezava e seguia em frente
E plantava no chão duro
A semente do futuro
Na seara do presente.

Em quatorze Zé Lourenço
Sofreu um golpe pesado
A Sedição de Juazeiro
Acelerou todo o Estado
No meio da guerra santa
Foi o sítio Baixa Danta
Invadido e saqueado.

Coronel Franco Rabelo
Fez o vale estremecer
Lutas sangrentas e mortes
O Cariri pode ver
Com Floro Bartolomeu
O Juazeiro venceu
Franco saiu do poder.

Com o Beato Zé Lourenço
Outro drama aconteceu
Querendo o sítio de volta
O seu dono apareceu
Zé para não ter conflito
Devolve o sítio a João Brito
O proprietário seu.

Aí chega o padre Cícero
Que sempre pensava certo
Lhe disse: — Pra trabalhar
Eu tenho um sítio aqui perto
Você e os seus irão
Para o sítio Caldeirão
De Santa Cruz do Deserto.

Chegou, cultivou a terra,
Irrigou tudo em redor
Ali tudo era de todos
Tinha do bom ao melhor
Que coisa extraordinária!
Era uma reforma agrária
Feita com fé e suor.

Dos perversos latifúndios
Caldeirão era o contrário
Não havia exploração
Chefe nem proprietário
Feliz o povo vivia
Na prática e na teoria
Um viver igualitário.

Quem tava ali estava livre
Do jugo do coronel,
Do grito do mandatário,
Da escravidão cruel.
Sobrava água e comida
Era a terra prometida
Que jorrava leite e mel.

Ali toda produção
Era bem armazenada
Do estômago e do espírito
A fome era saciada
Fé, trabalho, espírito agudo
Da terra sobrava tudo
De Deus não faltava nada.

Na seca de trinta e dois
Tudo no sertão se some
Mas no sítio Caldeirão
Todo mundo bebe come
Centenas de desvalidos
No Caldeirão socorridos
Ficaram ilesos da fome.

Com o desaparecimento
Do padre do Juazeiro
O beato é perseguido
Por tudo que é fazendeiro
Pra esses fariseus mudos
Caldeirão era Canudos
Zé Lourenço – o Conselheiro.

Padre Cícero Romão
Que viveu noventa anos
Tudo quanto possuía
Deixou pra os Salesianos
Inclusive o Caldeirão
Isso serviu de aflição
Pra muitos seres humanos.

Fez para os Salesianos
Uma enorme doação
Propriedades e casas
A fazenda Caldeirão
Infelizmente os herdeiros
Não respeitaram os romeiros
Do Padre Cícero Romão.

Alguns membros da igreja
Os coronéis, o estado,
A justiça e a polícia
Num complô bem costurado
Acendem o fogo do mal
Pra queimar o arraial
Pra deixar tudo arrasado.

Da inveja dos maldosos
Não está livre ninguém
A maioria dos ricos
Um grande defeito tem
Por ser mau o mal exorta
Vive bem, mas não suporta
Ver pobre vivendo bem.

O pretexto era dizer
Que no Caldeirão havia
Comunistas infiltrados
Em perfeita confraria
Comandantes de intentona
Comandando aquela zona
De onde a guerra explodiria.

Arquitetaram a tragédia
Enviaram um espião
Travestido de empresário
Zé Bezerra, o capitão
Foi para isso incumbido
Foi muito bem recebido
Por todos do Caldeirão.

Fez um relatório cheio
De planos trágicos agudos
Decidiram (os poderosos)
Depois de vários estudos
Fazer o que Roma fez
Com o povo cartaginês
E o Brasil fez com Canudos.

Foi preparado o avanço
Das tropas oficiais
Tendo o apoio irrestrito
Dos fazendeiros locais
Foi o comboio do mal
Destruir o arraial
De oração, trabalho e paz.

É bom deixar registrado
Nas páginas desse cordel
Que isso foi no governo
De Menezes Pimentel
Junto com Cordeiro Neto
Foi responsável direto
Desse massacre cruel.

Setembro de trinta e seis
Depois de longo aparato
Um batalhão se destina
Ao município do Crato
Tendo por triste missão
Destruir o Caldeirão
Os romeiros e o beato.

Marchavam como se fossem
Para terríveis batalhas
Pensando que enfrentariam
Mosquetões, fuzis, metralhas,
Encontraram almas serenas
Romeiros que usavam apenas
Terços, rosários, medalhas.

Pra essa luta sem glória
Dessa questão sem motivos
Conduziam além das armas
Muitas cargas de explosivos
Tudo pra fazer matanças
De velhos, jovens, crianças
Campônios inofensivos.

— Matai, acabai com tudo –
Disse uma voz assassina.
Era a voz do comandante
Autor da carnificina
A arma de cada praça
Era o lápis da desgraça
Escrevendo uma chacina.

Da sucursal do inferno
Se tinha uma impressão forte
Aviões cuspindo bomba
Fuzis fabricando morte
Mãos de monstros homicidas
Riscavam o mapa das vidas
De um povo pobre sem sorte.

O sangue ensopava a terra
No cortar da espoleta
Soldados enfurecidos
Mandados pelo capeta
Matavam e davam risadas
Com crianças espetadas
Na ponta da baioneta.

Os soldados assassinos
Eram também assaltantes
Matavam e roubavam tudo
Dos aflitos habitantes
Que massacre violento!
Tudo com consentimento
Dos seus chefes comandantes.

Os animais foram mortos
As casas foram queimadas
Centenas de criaturas
Sem defesa, dizimadas,
Sem cova, caixão, sem cruz
Alimentaram urubus
Porque não foram enterradas.

Caldeirão virou cenário
De um grande sonho desfeito
Zé Geraldo farmacêutico
Do Juazeiro ex-prefeito
Foi até aqueles pagos
Verificar os estragos
Que a polícia tinha feito.

Viu o saldo da desgraça
Desse batalhão devasso
Casebres incendiados
Corpos sem pernas, sem braço,
Cabeças esfaceladas
De crianças espetadas
Nas baionetas de aço.

José Lourenço fugiu
Pra Pernambuco outro estado
Morreu em quarenta e seis
Por Jesus sempre amparado
Sepultou-se em Juazeiro
Por tudo quanto é romeiro
O seu túmulo é visitado.

Rosemberg e Chico Sá
Com filme e com documento
Oswald Barroso e outros
Escritores de talento
Numa importante missão
Vem tirando o Caldeirão
Da vala do esquecimento.

Por ser poeta vali-me
Da cultura popular
Foi a maneira melhor
Que encontrei pra narrar
Essa tragédia brutal
Que o poder oficial
Fez questão de não contar.

FIM
Fortaleza, março de 2000
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