quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Lux



por Amador Ribeiro Neto

Amanda Vital (Ipatinga-MG, 1995) cursa Letras na Universidade Federal da Paraíba e reside em João Pessoa desde 2014. É integrante do “Aedos de Declamação”, grupo que anima saraus e lançamentos de livros, além de fazer suas próprias apresentações. Lux (Penalux, 2015) é seu livro de estreia, que nos chega apresentado por 3 importantes poetas: Lau Siqueira, Marcelo Adifa e Sérgio de Castro Pinto. Este último, no posfácio, depois de tecer elogios, é o único a apontar algum senão na poesia de Amanda Vital. Com o que concordamos integralmente.

Certo sim que quem escreve orelhas, quarta capa, prefácio e posfácio, dificilmente tem como manifestar sua avaliação objetiva. Afinal, escreve-se, ali, para apresentar o livro e ganhar o leitor. E não para enxotá-lo. Desta forma, é louvável e admirável que o poeta de A flor do gol, depois de afirmar que os poemas de Amanda “estão longe de serem etiquetados, de serem meros pastiches de Cabral ou de qualquer outro poeta”, pondere com propriedade: “Amanda deve evitar um certo Leminski que confunde concentração com mera brevidade”.

É certo que Amanda Vital leva jeito pra poesia. É tão certo como afirmar que sua poesia é imatura, precipitada, irregular. Mas, ao lermos Lux, percebemos que há algo no livro que merece um retrabalho. Que necessita de um tempo de maturação. Sua poesia é de alguém que vê o mundo com olhos de adolescente maravilhada. E que não se detém no rigor da linguagem poética.

Amanda Vital busca a condensação lírica, como bem apontou o posfaciador. Seus poemas são curtos, mas não são concisos. Estão espraiados em grandes embustes verbais. Ela adora o trocadilho pelo trocadilho. Esse é um grande engano que acomete os que se propõem a fazer poesia. O trocadilho só tem funcionalidade quando faz coabitarem, no mesmo signo, som, imagem e sentido. E isto, como já nos disse Jakobson, é a confluência do eixo paradigmático sobre o sintagmático. Ou, mais: dizer o usual, mas revelando o conhecido como se fora captado pela primeira vez. Como nos ensina Chklóvski. Poesia tem de revelar este mundo. E, ao revelar, criar outro. Não pode estar colada na mesmice institucionalizada. Já disseram Octavio Paz e Jean Cohen.

Amanda Vital revela potencial para lidar com a palavra. Falta-lhe incorporar o sentimento de mundo ao mundo da linguagem.

Abrir um livro de poemas com “sonhar, acreditar, alcançar. / nessa exata sequência, / os sonhadores sonham dores / mas conquistam esperanças. // – e aqueles que não sonham? /  – da vida se desprendem, / se perdem, / não se transformam” é jogar um balde de água gelada na receptividade do leitor. Isto soa a diluição de Gonzaguinha com Raul Seixas. Ou seja: a poesia mora bem longe daqui.

Quanto aos trocadilhos pouco felizes temos: “fósforo apagado / não acende mais // é assim / uma longa amizade / quando se desfaz”. O clichê convertido em sabedoria de comentarista televisivo. Fica difícil encontrar poesia aí. Vejamos este: “óculos escuros / fazem pouco caso / do sol”. A obviedade é um dos maiores engodos para quem quer fazer poesia. O óbvio nega, por princípio, a ambiguidade. E esta, sabemos, é o norte da poesia.

Um poema bem leminskiano, e igualmente fruto da rarefação do poeta curitibano, é “sou de lua – / dependo do barulho / da minha rua”. Aí Amanda Vital quase acerta. Só erra porque clona a lição do mestre. Nestes casos, sempre o original é melhor.

A poetisa deveria seguir o que ela própria diz em “o relógio da vida / não tem alarme / nem faz alarde // mas na escrita / há o tempo / da eternidade”. Poesia pede dilatação do tempo. Tanto para ser lida como para ser produzida. O que se percebe é que Amanda Vital tem sensibilidade para o trabalho com a palavra. O que lhe faltou foi tempo para aperfeiçoar suas sacadas sobre a vida, o mundo, a literatura. Mas não há como negar que ela encerra bem o livro com “não dá pra notar / que ando sempre / virada ao avesso // sou sem costura, / sem etiqueta, / sem fim nem começo”. A inversão das expectativas, em versos que se espelham, em ritmo cadenciado, jogando com de 4 e 5 sílabas, projeta a imagem do reverso e do verso, numa construção feliz.

Talvez ela devesse ter começado o livro por este poema. E seguido nesta linha. Fica a sugestão. E a espera pela nova publicação.
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Publicado pelo jornal Contraponto, de João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 11 de dezembro de 2015, p. B-7.

Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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