segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

SK x SK (Stephen King X Stanley Kubrick)


“All work and no play makes Jack a dull boy”

por Saulo Portela

Em 1974, o ainda não tão famoso Stephen King, junto à sua esposa Tabitha, hospeda-se no Hotel Stanley, no Colorado, por apenas uma noite. Por ser fim de estação, os dois eram os únicos hóspedes e ocuparam o quarto 217. É válido ainda ressaltar que o hotel já possuía fama de assombrado e talvez essa situação tenha feito com que, durante a noite, King, que na época já tinha problemas com álcool, fosse assolado por pesadelos que envolviam seu filho de três anos correndo pelas dependências do hotel enquanto era perseguido por uma mangueira de incêndio. Pois bem, essa foi a inspiração para o terceiro livro e primeiro best-seller do autor, lançado em 1977: O Iluminado (The Shining).

Três anos após o lançamento do livro, Stanley Kubrick lança o filme baseado na obra de SK – o escritor. Para quem, assim como eu, é fã do gênero horror, sabe que a década de 80 é marcada por grandes clássicos. Foi nela que vários vilões foram criados ou tomaram forma, como: Jason Voorhees (Friday the 13th, 1980), Freddy Krueger (A nightmare on Elm Street, 1984), Michael Myers (Halloween, 1979 e 1981 ) dentre outros, criando o subgênero Slasher, onde basicamente um assassino perseguia jovens por um motivo qualquer e dizimava um a um. Indo na contratendência, SK - o diretor - nos presenteia com uma obra extremamente bem construída e com ares de cult.

Tanto o livro quanto o filme retratam a saga da família Torrance, composta pelo casal Jack e Wendy e o filho único Danny, que após uma série de problemas familiares envolvendo alcoolismo, agressões e desemprego, passarão os meses de novembro a maio, período de baixa estação e de rigoroso inverno, nas montanhas do Colorado, tomando conta do Hotel Overlook, isolado por conta da neve.

Jack vê na oportunidade do cargo de zelador do hotel a chance de voltar a escrever um livro, projeto que havia sido abortado por conta de seu vício. A temporada no Overlook seria um recomeço para os Torrance, não fosse o passado sombrio do hotel, que foi palco de assassinatos e suicídios que tornaram o recinto a moradia de inúmeros fantasmas que buscam desesperadamente usar o dom do pequeno Danny para tornarem-se mais fortes. À medida que a neve cai, o isolamento aumenta e neste contexto a influência dos espíritos sobre Jack é maior, fazendo com que este volte a beber e tornar-se cada vez mais impaciente e violento, ao ponto de tentar matar a família, como fez o zelador anterior. As semelhanças entre as obras acabam por aqui.

Desde o lançamento do filme em 1980, Stephen King mostrou seu descontentamento com a adaptação, visto que esta omite ou acrescenta uma série de itens do romance, inclusive o final.

Kubrick, que até então não havia feito nenhum filme de horror, abre mão de sustos fáceis e opta por envolver o espectador na densa e crescente atmosfera de isolamento e insanidade. Suas escolhas, desde elenco, locações e trilha sonora, são fantásticas, nos entregando assim um exemplar que ocupa qualquer lista de melhores filmes.

Diante do empenho de SK – o diretor - em entregar uma obra tão completa, SK – o escritor - é sempre muito enfático em mostrar sua completa insatisfação com a película, razões estas que só podem ser analisadas ao conhecer ambas.

Stephen King afirma que o seu Jack vai surtando gradativamente, enquanto o de Kubrick parece já ser meio louco desde o início. Wendy é descrita como uma mulher linda por King, já no filme é interpretada pela feiosa de grandes olhos Shelley Duvall. Desde pequenos detalhes, como o número do quarto onde uma fantasma nua tenta seduzir Jack e matar Danny – 217 no livro, 237 no filme –, passando pelas topiarias em forma de animais que são substituídas por um labirinto, uma série de fatos ocultados que justificariam o drama da família, até a maior queixa de King, o final, que muda de fogo para neve.

As insatisfações do escritor fizeram com que em 1997 uma minissérie fosse produzida exclusivamente para a TV, agora sob sua supervisão e extremamente fiel ao livro, na opinião dele. Em 2013, King dá continuidade à história lançando Doutor Sono (Doctor Sleep), obra que ainda não possui versão para a tela.

As comparações entre as obras são inevitáveis – é impossível ler o romance sem imaginar Jack com as feições de Nicholson. Portanto, são experiências ímpares e prazerosas. E diante da batalha entre os SK’s, quem ganha somos nós: leitores e espectadores.
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Saulo Portela, 34 anos, professor de matemática, apaixonado por cinema e principalmente pelo gênero horror.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 24, de setembro de 2015), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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