quinta-feira, 17 de março de 2016

Em pauta, Pedro Osmar



por Amador Ribeiro Neto

A Paraíba tem um músico que compõe para as cabeças antenadas e as sensibilidades desencanadas. Pedro Osmar trabalha com as informações de ponta da música contemporânea unindo-a a elementos da cultura popular brasileira e amarrando tudo com criatividade admirável.

Possuir um compositor como ele é motivo de satisfação e prazer nacionais. Pedro Osmar compõe cerebral e emocionalmente. Seu trabalho comprova que o inusitado do verdadeiramente novo pode sim ser imensamente agradável. Claro que não me guio pelas dessensibilidades que vibram aos acordes pagodeiro-sertanejo-axé-funks. Falo de cabeças antenadas com nosso tempo. Cabeças e corações de pessoas que vivem o presente não apenas nas marcas do calendário, mas vivenciando-o na atualização das conquistas das artes, das técnicas e das ciências.

Para sacar e gozar os deleites da música de Pedro Osmar é preciso conhecer, por exemplo, maracatu, ciranda, forró, coco; John Cage, Stravinsky, Alban Berg, Schoenberg, Anton Webern; Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal, Naná Vasconcelos, Smetak, Arrigo Barnabé; Bach, Beethoven, Vivaldi; Chico Buarque, Os Mutantes, Walter Franco, Tom Zé, Arnaldo Antunes; eticétera e tal. Enfim: é preciso sacar Música com M maiúsculo.

Pedro Osmar opera antropofagicamente os sons e produz um trabalho que é “a cara do Pedro Osmar”, como dizem pelas ruas de João Pessoa os que conhecem / cultuam a boa música.

Pergunto-me: o que caracteriza o estilo de um artista não é exatamente aquela marca individual, aquela singularidade dentro da diversidade? Pois gostem ou torçam os narizes, este multiartista tem cara, talento, coragem e marca próprias, singularíssimas. Se ele ainda não bombou no mercado nacional, esta é outra questão.

Reavivemos a memória com o caso Tom Zé. Depois de contribuir na instalação do Tropicalismo, e de agitar muitas na contramão da mesmice, Tom Zé caiu num estranho isolamento. Talento o cara tem de sobra, ninguém duvida, mas amargou à margem da margem um bom tempo. Comeu o pão que o diabo amassou. Até que um gringo norte-americano descobriu o Brasil para os brasileiros: pôs Tom Zé em circulação nos States. Ele fez sucesso lá. Logo, tinha grandes chances de voltar a fazer sucesso aqui. Inda mais que ele é “nosso”, é brasileiro, é nordestino, é baiano, é de Irará, filho de fulano e sicrana.

Pois é: este é o clássico pensamento terceiromundista. Peba todo. Pensamento-bandeira-nacional. Quando o artista é bom, mas não tem reconhecimento nacional, passa a ser ou titica de nada. Ou, na outra ponta, figura cult na própria casa.

Já quando faz sucesso dentro e fora da aldeia, passa a ser ou motivo de orgulho ou de maledicência. Já que, via de regra, passa a ser acusado de “vendido”.

Enfim, a incompetência tem várias faces. Uma, a da idolatria, que geralmente é construída e realimentada pela mídia, ou necessidade pessoal de vivenciar catarses de desejos reprimidos, etc. Outra das faces da incompetência é o descaso, índice que mal consegue disfarçar a desinformação crítica ou um repertório crítico de segunda.

Não está na hora de abordar a obra do artista? Abordar apenas, única e exclusivamente, a obra. Sem paixões pessoais e apegos biográficos. Afinal, todos estamos cansados de saber que a vida particular do artista não interessa na hora da abordagem estética.

Ou vamos engrossar os igrejismos que rezam pela cartilha de um artista porque ele nasceu na nossa cidade, no nosso estado, no nosso país; porque integra nossa tribo; porque vai nos ajudar nisto e naquilo?

Há um bom tempo o crítico e poeta norte-americano Ezra Pound já dizia que se conhece o mau crítico quando fala do artista e não da obra.

Exemplifico com um desvio avaliativo que está em pauta: o lance do que aconteceu com o Tom Zé. Enquanto o cara amargava há décadas a solidão em Perdizes, cultivando rosas do jardim do condomínio pra não endoidar, e sobrevivendo com o salário da mulher, poucos se preocuparam em abrir-lhe espaço.

Poucos, bem poucos. Um descolava a participação numa faixa de um disco de estreia de um novo nome, outro, um showzinho minguado em sindicato. Outro uma entrevista num canal alternativo de tevê. Coisas miúdas. Coisas esparsas. Nada que deixasse vir à tona o talento irreverente do tropicalista.

Foi preciso ele ser exportado pra depois virar produto de consumo interno. E mesmo assim, olha lá, com muitas reservas.

Oxalá os deuses todos compactuem com Pedro Osmar e ele não precise, como o compositor de “São São Paulo” (meu amor), chegar a esse ponto. Viva Pedro Osmar!
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Amador Ribeiro Neto é poeta, crítico literário e de música popular. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do curso de Letras da UFPB.

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