domingo, 24 de julho de 2016

Todos eles bruxos



por Saulo Portela

Em 1997 ganhei um moderníssimo Almanaque de Cinema, e encantado com o presente, passo então a consumir suas páginas e devorar sinopses e críticas de vários filmes, que traziam logo ao lado do título uma classificação que variava de uma a cinco estrelas. Um dos filmes que possuía classificação máxima era O Bebê de Rosemary (1968), então corri pra locadora mais próxima (a extinta Arco-íris, em frente à Praça Pe. Cícero) e o aluguei pra assistir com um amigo.... Nossa, foi uma decepção só! Como pode um filme ter um bebê no título e ele sequer aparecer?! Lá estava eu, desolado e aborrecido no auge da minha adolescência com essa propaganda enganosa.

Alguns anos mais tarde, depois de aguçar minha criticidade com centenas de filmes, torno a ver este clássico, e o resultado agora é outro e extremo: me apaixono por Rosemary, por Polanski, e o antes odiado passa agora a ser meu filme de horror favorito.

Pois bem, falemos então sobre o filme agora. A década de 60 estava tomada por dúzias de filmes que abordavam o tema bruxaria, satanismo e ocultismo. Aproveitando a tendência, Ira Levin lança em 1967 o romance Rosemary’s Baby, que rapidamente se tornou um best seller, e já no ano seguinte, William Castle comprou os direitos do livro e levou o projeto para Rober Evans, da Paramount Picture. A ideia é aceita, porém a produtora não quer Castle na direção, já que este fazia filmes caricatos e de baixo orçamento. A participação do produtor se resume a uma rápida aparição na cena da cabine.

Roman Polanski, já famoso na época por Repulsa ao Sexo (1965), é convidado para ocupar o cargo de diretor. O longa a ser produzido contará a saga de um jovem casal, Guy e Rosemary Hoodhouse, que moram em Nova Iorque e estão à procura de um apartamento maior. Visitando o edifício Dakota, rebatizado de Bramford, se encantam pelo local. Guy, um jovem e ambicioso ator, passa a ter uma estranha relação com um casal de idosos que são seus vizinhos, relação esta que evolui ao ponto dele fazer um pacto com o demônio, oferecendo sua inocente esposa como barriga de aluguel pro tinhoso.

A história que poderia ter sido abordada e tratada como mais um filme de terror, é conduzida com maestria por Polanski. Seus acertos iniciam-se então na escolha do elenco. Rosemary no livro é descrita como uma típica e robusta americana, mas o diretor deseja um rosto conhecido para alavancar o projeto, e embora tenha cogitado dar o papel a sua esposa Sharon Tate, entrega-o à frágil e doce Mia Farrow. Para interpretar Guy, Jack Nicholson chegou a ser cotado, mas optaram por John Cassavetes, pois queriam alguém com feições de ator. Para personagens secundários são convidados atores da velha guarda de Hollywood.

Polanski é extremamente fiel à obra de Levin, usando diálogos, paleta de cores e figurinos tais como são descritos no livro. Para dar veracidade à cena do culto onde Rosemary engravida, Anton LaVey, fundador da Igreja de Satã e autor da Satanic Bibles, é convidado para dar consultoria.

O que é mais encantador nessa película é a total ausência de sangue, cenas violentas e sustos, o espectador é envolvido na atmosfera doentia do Bramford, criando uma relação direta com a protagonista. Rosemary, frágil e grávida, nos cativa e nos apavora à medida em que vai descobrindo os planos que a elite ocultista tem para seu filho. O filme ainda é conhecido por uma série de trágicas coincidências que ocorreram durante e após sua produção, dentre eles podemos citar o divórcio de Mia Farrow do cantor Frank Sinatra durante as gravações, pois ele ficou incomodado com a cena de nudez; a morte ritualística de Sharon Tate, grávida de oito meses, catorze meses após o lançamento do filme, por membros da família Manson, num crime que ficou conhecido por “Helter Skelter” (nome de uma música dos Beatles que significa decadência), ela foi morta em casa com 16 facadas e os assassinos escreveram com seu sangue na parede a frase “morte aos porcos”, os autores do crime eram seguidores de Anton LaVey; Jonh Lenon foi morto no prédio onde se deram as gravações; William Castle, em 1969, é internado com falência renal e em meio aos seus delírios dizia: “Rosemary, pelo amor de Deus, largue essa faca!”; no mesmo hospital estava Krystof Komeda, compositor da trilha sonora do filme, que veio a falecer por conta de um coágulo no cérebro.

Não seria exagero afirmar que O Bebê de Rosemary abriu caminhos pra filmes como O Exorcista (1973) e A Profecia (1976), que apavoraram gerações e criaram uma legião de fãs do gênero. Então, se por algum motivo você viveu em uma caverna desde a década de 60 e ainda não o viu, sugiro fazê-lo o mais breve possível. Amanhã pode ser tarde.
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Saulo Portela, 34 anos, professor de matemática, apaixonado por cinema e principalmente pelo gênero horror.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 29, de março de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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