sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor



por Débora Costa

Um certo dia, um ex-namorado me avisou que ia começar um grupo de estudos sobre Cinema no Sesc, achou que eu ia gostar e tal. Mandei meu nome para um tal de Elvis Pinheiro e estava marcado o encontro às cegas.

Como todo primeiro encontro, lá estava eu toda sem graça, depois de mil horas tentando achar uma roupa adequada QueNãoParecesseDesesperadaMasInteressada, sem conhecer ninguém e sem saber o que falar. Eu me achava a sabichona do Cinema e descobri que o que eu assistia, bom, não era lá muito bacana, e o que todo mundo de lá já tinha visto, eu nunca tinha ouvido falar.

Terminou a primeira reunião, saí arrasada, eu achava que não tinha dado certo, que era melhor eu partir pra próxima, e continuar ignorante no meu mundo do cinema comercial.

Passada a tristeza pós-primeiro encontro, fui na xerox pegar a cópia de um livro, O que é cinema, e fui lendo, marcando, e de repente estava contando os segundos para o próximo encontro. A ansiedade passou a me consumir todas as vezes que saía da reunião, já pensando na próxima.

Sonhava acordada com todas as nuances daquele grupo:

Eu lembrava da sua postura opiniosa e hipnotizante, mesmo quando dizia que morria de medo de filmes de terror, era com tamanha propriedade, que não tinha como dizer que não tinha razão. Ou quando defendia Truffaut e a Nouvelle Vague com unhas e dentes, e calava a todos.

Ah, e quando me deixava besta com o tanto que sabia. Sempre tinha algo incrível a dizer, seja com fofocas das estrelas, ou o nome daquela atriz que aparece naquele filme que ninguém lembra o nome ou sequer conhece, ou ainda sempre explicando de forma didática aquelas teorias sobre linguagem cinematográfica que confundiam a nossa cabeça.

Ou como sempre conseguia trazer uma importância histórica, ou a visão da psicologia e ainda a relação com o teatro. Tão rico discutir cinema contigo, com sua paciência pra ouvir ou às vezes a resposta curta e precisa.

Encantava todas as vezes em que via o quanto evoluía, o quanto se desconstruía, o quanto se entregava aos debates na intenção de transformar. Nossa, como me ajudou a enxergar o cinema de forma política e sensível.

Era o início do namoro, eu estava apaixonada. Queria estar direto junto, só pensava e falava nisso.

Estava tudo lindo... Até que engravidei e me afastei do grupo. Foi nossa primeira crise séria. Por momentos chorei pensando que não teria volta, que teria que viver de lembranças e que não teria mais espaço pra mim nas quartas-feiras de encontro. Mas fui surpreendida pelo acolhimento e apoio. Foi aí que nasceu o amor terno, foi quando eu quis estar junto e ter meu filho no meio disso tudo. O grupo Sétima me mostrou muitas coisas, mas a maior delas foi que do amor pelo cinema poderia nascer um grande amor por todos os amigos que fiz.
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Débora Costa: uma mãe feminista metida a estudante de Direito, a artista, a produtora e que gosta que só de filme.

Foto: Josú Ribeiro

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 40, de maio de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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