terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

De repente soube, é cinema!



por Josú Ribeiro

De repente soube que haveria um grupo de estudos, ou algo mais parecido com curso de Cinema. Não me lembro muito bem como era minha relação com o Cinema, mas me interessei por estudar algo diferente. Sabem como é, estava no 2º ou 3º semestre do curso de Psicologia, doido pra me enturmar com uma galera nova e assuntos novos, então, fui atrás de me inscrever. Era necessário ter a xerox do livro O que é Cinema - Coleção Primeiros Passos, então corri e já na gráfica encontrei um rapaz que também iria participar do curso. Conversamos sobre a nossa expectativa quanto ao grupo, e também sobre nosso time do coração, o Corinthians. Me lembro bem da sensação adocicada e prazerosa de poder ter os olhos mais atentos para algo que nunca pensei em estudar. Passou um tempo e fui me enturmando com diversas pessoas que já tinham um contato maior com o estudo sobre Cinema.

De repente, me apaixonei pelo Buster Keaton, fiquei com picuinha com o Chaplin, fiz um falso pacto com Godard, impliquei com Truffaut. Caí nos braços de Michael Haneke e nos deleites da voz da Marilyn Monroe. Então, aos poucos estavam sendo fincados os alicerces.

Foi estudando e discutindo Cinema – produção artística de tantas culturas – que acabamos refletindo também sobre nosso ser político. Nosso agir em sociedade, nossos desejos e fantasias, que são tão importantes para a nossa construção subjetiva, quando discutimos o que é real ou imaginário, por exemplo. Como o Cinema pode instigar um povo a se ver e reconhecer como protagonista de sua história, como no neorrealismo italiano, e/ou numa tomada por um Cinema próprio de raízes tão espirituais como o Cinema Novo.

Algumas dificuldades apareceram com o tempo. Passamos por várias fases, tivemos a etapa de seminários que baqueou muita gente. Tive incertezas quanto à minha permanência no grupo, pois o Cinema me requeria um espaço de maior dedicação, e tive que assumir isso, caso quisesse continuar.

De repente temos uma Revista! Nela compartilhamos ideias e sentimentos sobre filmes de autoras e autores que gostamos. E aqui e acolá brotam produções cinematográficas de alguns integrantes do Grupo Sétima, tudo isso, fruto de um estudo cada vez mais primoroso do Cinema. E foi nesse aprofundamento e dedicação que tive um contato mais íntimo com a Imagem, e me vi atraído pela fotografia. Veio como um tijolo na cabeça, abrindo um galo precioso e impreciso. Num momento de reclusão pessoal, a fotografia de rua me deu o oxigênio necessário, ao me calar a boca e me fazer andar, contemplar o silêncio dos lugares, e o barulho das pessoas.

Posso dizer que antes de estudar Cinema, eu estava com olhos, boca e ouvidos fechados. Olhos porque Cinema é também imagem, mexe com o nosso voyeurismo e com as diversas cores – incluam também nas cores os diversos tons de cinza e preto. Ouvidos porque é silêncio, intercalado por falas ou músicas diegéticas. E por continuidade, boca: porque Cinema é paladar! Paladar é saborear, e saborear é um ato laborioso. É tocar nos lábios, passar pelos lábios, abrir os dentes, salivar a língua, escorregar pela goela, e timbugar em frenesi!

De repente, hoje estou embutido no grupo, nos livros de Cinema, de imagem e cores. E nessa dinâmica de estudos no grupo, aqui e acolá pessoas novas surgem, proporcionando outros sabores, outras maneiras de saborear Cinema. O grupo é um caldeirão que por vezes borbulha e se acalma, alguém chega e põe mais lenha, mais tempero, tomamos a sopa de feijão e já temos um novo ânimo.

De repente... nada é de repente assim. O Cinema se fez casa, tomou-me por usucapião.
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Josú Ribeiro é poeta e músico. Formado em Psicologia na Unileão.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 40, de maio de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- Diante do meu amor pelo cinema
- O absurdo nosso de cada dia: as mulheres na Mostra 21 de 2017
- Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor
- Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema
- Longe deste insensato mundo
- Relato de viagem durante a IX Janela Internacional de Cinema do Recife
- ‘O Leitor’, filme de Stephen Daldry (2008): resenha crítica
- Meus 10 melhores filmes de todos os tempos, por Samuel Macêdo do Nascimento

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