sexta-feira, 16 de março de 2018

Samira Makhmalbaf



por Jade Luiza

Sou declaradamente apaixonada pelo cinema iraniano, desde quando descobri Onde fica a casa do meu amigo? (Dir.: Abbas Kiarostami, 1987). Apesar de isso parecer assim tão “cult”, olha, não foi fácil lidar com uma linguagem cinematográfica tão diferente dos filmes ocidentais com os quais estava, talvez, mal acostumada; tanto que tive que ser desafiada a conhecer as produções de Samira Makhmalbaf. Seus filmes estavam numa lista de uma campanha da internet chamada #52FilmsByWomen; a proposta é simples: assistir, toda semana, durante um ano, um filme dirigido por uma mulher.  O primeiro filme da minha lista foi A Maçã, dirigido e roteirizado por Samira quando ela tinha apenas 18 anos e que lhe rendeu diversas premiações, além de ter sido a mais jovem cineasta a concorrer no Festival de Cannes.

É verdade que desde a infância Samira, assim como seus irmãos, teve contato direto com o cinema através do pai, o renomado cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf, co-roteirista de A Maçã, cujo o roteiro foi feito depois do início das filmagens. O filme foi idealizado a partir de um caso verídico que virou manchete em alguns jornais iranianos no final dos anos 90: duas garotas gêmeas de 13 anos permaneceram trancadas em casa pelos pais durante 11 anos de suas vidas. Seguindo um formato corriqueiro no cinema persa de unir ficção ao documentário, as personagens não são protagonizadas por atores, mas sim pelas próprias pessoas que vivenciaram aquela história, e Samira optou por não definir detalhadamente os diálogos no roteiro. O filme também retrata o processo de ressocialização das gêmeas e faz uma metáfora sobre a condição das mulheres iranianas.

Às Cinco da Tarde é outro filme roteirizado e dirigido por Samira e foi o primeiro filme rodado em Kabul depois da queda do Talibã no início deste século. A relação entre o Afeganistão e o Irã tem um histórico de muitos conflitos, isto pode ter sido mais um desafio para a cineasta persa que decidiu escrever e dirigir um filme sobre a situação da mulher afegã. O filme acompanha a trajetória de Noqreh (Agheleh Rezaie), uma jovem que diante das proibições do pai passa a ir à escola escondida, e é lá, durante um debate sobre o futuro afegão, que ela passa a sonhar com a ideia de ser presidente de seu país. Ressalto: este não é um filme fácil; os cenários estão em ruínas e as personagens, os refugiados, são vistas constantemente em situação de miséria. Mas é preciso atinar para as sutis resistências da protagonista: tirar a burca, calçar saltos, posar para fotos e até mesmo se permitir conhecer os poemas de Federico Garcia Lorca, um destes que inspirou o nome do filme.

Mesmo com todos os prêmios e o privilégio de Samira em compor uma família de cineastas, mulheres fazendo filmes - não só no Irã, mas em todo o mundo, eu diria – encontram uma série de dificuldades em todas as etapas, desde sua produção à apreciação do público. O protagonismo de Samira no cinema se expressa tanto na autoafirmação enquanto roteirista e diretora num território majoritariamente masculino, quanto na insistência em falar sobre a experiência de ser mulher em seus filmes. Nestes, eu, mulher, nesta ponta de cá do mundo, me sinto também contemplada.

Algumas referências:
https://womeninfilm.org/52-films/
http://tvbrasil.ebc.com.br/ciclos-de-cinema/episodio/a-maca
http://50anosdefilmes.com.br/2011/as-cinco-da-tarde-panj-e-asr/
http://www.c7nema.net/entrevista/item/31160-entrevista-a-samira-makhmalbaf-um-rosto-da-resistencia-iraniana.html

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Jade Luiza é estudante de História, escritora e fotógrafa. É membro do grupo Sétima de Cinema desde janeiro de 2017.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 41, de dezembro de 2017), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

Textos recentes da Revista Sétima postados no Blog O Berro:
- Conhecendo Carrière
- De repente soube, é cinema!
- Diante do meu amor pelo cinema
- O absurdo nosso de cada dia: as mulheres na Mostra 21 de 2017
- Meu romance com o cinema ou não era cilada, era amor
- Uma história: aniversário dos cinco anos do Grupo de Estudos Sétima de Cinema
- Longe deste insensato mundo
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