sábado, 30 de julho de 2016

Muito além da ditadura física



por Erick Linhares

Muito além do cidadão Kane (Beyond Citizen Kane, Dir.: Simon Hartog, 1993) é um documentário do qual pode-se dizer “qualquer coincidência com a semelhança é pura realidade”. Isso poderia ser óbvio se considerarmos que é um documentário, ou seja, um filme sobre o real, sobre o fato, e especificamente neste filme, um fato brasileiro. Porém, muitos fazem vista grossa sobre o tema abordado argumentando serem teorias conspiratórias e com jogo de interesses. Mas, obviamente, é um documentário que lida com um tema e o explora para que o autor dê sua visão sobre o fato explorado. Sendo assim, é certo que os filmes de documentários são passíveis de dúvida, já que sempre irá ter uma vertente parcial, que com isso, a realidade sempre será deturpada de alguma maneira, e o documentário não seria real em si, mas apenas mais uma realidade.

Pois bem, dito isso, devo ressaltar uma diferença do documentário Muito além do Cidadão Kane para uma modalidade televisiva que também vai lidar com o fato e com a realidade: o jornal, mais especificamente o Jornal Nacional. O primeiro foi produzido por Simon Hartog, britânico que brigou com a Rede Globo para ter direitos sobre os fragmentos do documentário em termos de conteúdo. O filme fora exibido no Channel 4, rede televisiva pública do Reino Unido*. Agora lança-se a pergunta: que interesse o Reino Unido tem, ou um diretor britânico, com o Brasil, ou com a rede Globo, ou com Roberto Marinho de expor acusações tão graves? Dificilmente se acharia respostas suficientemente fundadas para essa pergunta, a não ser o fato de querer mostrar em rede pública, no Reino Unido, como num país continental como o Brasil, o 8º em economia daquela época, apesar da concentração de renda, a mídia poderia manipular tanto a população, ter tantas concessões com os órgãos políticos e influenciar a dinâmica social de todo um país, minando todos os territórios com suas antenas e filiais, para que não sobrasse um brasileiro sequer fora do alcance da manipulação. Esse agente ditador, segundo o documentário, tem um personagem específico no filme: a Rede Globo.

Com essas informações fica fácil agora falar do que o Jornal Nacional (JN) se diferencia em termos de documentário e é muito simples: se ele é um programa, instrumento da Rede Globo, rede esta organizada para controlar a dinâmica política do país, manipular e decidir sobre o modo de vida brasileiro, então a parcialidade do jornal está comprometida no sentido de ser tão danosa quanto um ditador que quer implantar sua ideologia autoritária a todo custo. É o que é dito no filme britânico.

Quem tenha dúvidas sobre o que acontece no Brasil, pode considerar esclarecedor o peso de uma ditadura midiática, mas quem acredita em teoria da conspiração é um filme para deixar a pessoa sem argumentos, com fatos históricos feitos por um país extra Brasil. Um documentário muito bem feito, inteligente e com pormenores interessantíssimos. Mas triste, por causar um sentimento de eterno retorno de uma história sobre colonização, european/american way of life, roubo de nossas riquezas e terras, um sentimento de não parecer que temos pátria. Acima de tudo, que esse filme energize a chama da luta social que há dentro de nós.

*O documentário pode ser visto no Youtube.
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Erick Linhares é formado em Psicologia pela Faculdade Leão Sampaio, onde foi coordenador geral do Centro Acadêmico do curso. Atualmente é bolsista na Especialização em Gestalt Terapia.

Texto originalmente publicado na SÉTIMA: Revista de Cinema (edição 30, de abril de 2016), que é distribuída gratuitamente na Região do Cariri cearense. A Revista Sétima é uma publicação do Grupo de Estudos Sétima de Cinema, que se reúne semanalmente no SESC de Juazeiro do Norte-CE.

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